A boca de Cavaco Silva já não traquejava há algum tempo, algo que eu já estava a achar muito estranho, já que a sua cabeça séptica ainda se encontra em fase muito produtiva. Mas não foi preciso esperar muito para que Cavaco voltasse aos microfones do país, felizmente, os suportes que permitem o acesso à informação ainda não possibilitam sensações olfactivas a quem as acede.
Cavaco voltou a mandar uns bitaites sobre a campanha eleitoral, que na sua opinião está a correr muito bem. Pudera! Alguém sente algum ambiente de campanha ou pré-campanha? E é isso que Cavaco e o seu governo pretende, que não se faça muito alarido e que as coisas permaneçam muito sereninhas até às eleições. A ordem é para não mexer no vespeiro e a comunicação social (sempre isenta) tem cumprido à risca.
Ainda durante o seu discurso putrefactório, Cavaco não perdeu a oportunidade para voltar a espetar alfinetes à Grécia, em particular, ao Syrisa. Qualquer presidente de um Estado-membro, mesmo com um nível de dignidade rasante, jamais se atreveria a pronunciar-se sobre a actuação de um governo legitimamente eleito de outro Estado-membro, principalmente nos moldes com que o faz Cavaco Silva. Mas este senhor, que nunca conheceu o significado da palavra dignidade, não tem perdido uma única oportunidade para gozar com as escolhas livres feitas pelo povo grego, tentanto denegrir e inferiorizar as capacidades do Syrisa.
E porquê fazê-lo agora? Porque estamos a pouco mais de um mês das eleições legislativas em Portugal. Interessa muito a Cavaco e ao seu governo difamar e desclassificar o governo Syrisa e, automaticamente, colar os partidos portugueses da oposição (PS e partidos de esquerda) ao governo grego, tentanto passar a mensagem de que as alternativas à coligação não são confiáveis, tal como ele considera o Syrisa.
Só mesmo as mentes sépticas da Direita para criticar o governo Syrisa. Estes direitolas criticam o Syrisa pelo facto de terem prometido coisas que não puderam realizar, o que não é bem assim. Qualquer pessoa bem informada saberá que o Syrisa conseguiu rectificar em poucos meses, algumas coisas que os partidos da Direita andaram a destruir durante anos. Mas, admitamos que o governo liderado por Tsipras não conseguiu cumprir com o que prometeu e, nesse caso, partindo dos pressupostos doentios dos direitolas portugueses, que moral têm para criticar o Syrisa? Se, hipoteticamente, o Syrisa não cumpriu com o que prometeu, limitou-se apenas a fazer um pouquinho daquilo que o governo de coligação fez em Portugal - não cumprir com uma única promessa e baixar as calças para a troika.
Ainda assim, há duas grandes diferenças entre o governo Syrisa e o governo de coligação PSD/CDS. A primeira é que, não tendo podido cumprir com o que prometeu, Tsipras assumiu o fracasso (forçado pelas instituições europeias e troika) e demitiu-se das suas funções, devolvendo a palavra ao povo. Já a coligação PSD/CDS, tendo mentido de modo desavergonhado aos portugueses, não foi capaz de ter a mesma nobreza de carácter, mantendo-se agarrados ao poder com o apadrinhamento do fidalgo do Palácio de Belém. A segunda diferença é que, mesmo após o que se está a passar na Grécia, o Syrisa continua a liderar nas intenções de voto, já em Portugal a coligação não descola do segundo lugar.
A procissão da campanha eleitoral ainda vai no adro, mas Cavaco já lhe tomou as rédeas. E continuará a orquestrar a campanha do seu governo, tal com tem feito de forma exemplar nos últimos quatro anos. A menos que alguma cagarra lhe dê umas valentes bicadas na tola. Abençoada seja!