Em Portugal há o hábito de se falar bem das pessoas que morrem. É aquela coisa de “lá no fundo, bem no fundo, até era boa pessoa”. Eu não vejo grande mal nisso, afinal, a pessoa já cá não está e se é para falar dela, então é preferível que se diga algo de bom. O que eu não aceito é que se digam mentiras.
Após a notícia da morte de Belmiro de Azevedo, foram muitos os que se apressaram a vir a público enaltecer a “excelência de um grande homem e brilhante empresário”. Suponho que a maioria deles desconhecia o homem por completo e, ao que parece, também não sabiam muito do empresário, excepto a parte da acumulação de riqueza que, como se sabe, é a condição essencial para se ser reconhecido como “ser superior”.
Políticos, empresários, jornalistas e comentadores disseram que Belmiro foi um “grande exemplo (talvez o maior) do que é ser um empresário de sucesso”, destacando o facto de “nunca se subjugar ao poder político” e de “não precisar de subsídios do Estado”.
Pois bem, eu não conhecia a pessoa em causa, mas conheço alguns factos da sua vida enquanto empresário, que são as razões pelas quais se tornou figura pública. Evidentemente, lamento a morte da pessoa, tal como a de qualquer outra pessoa que desconheço. Mas sinto-me impelido a contrariar as razões pelas quais muita gente o enaltece na hora da sua partida.
Muitos dos que referi atrás, começaram por se indignar com o facto de o PCP ter votado contra o voto de pesar na Assembleia da República. Isso, por si só, já é demonstrativo da posição inquinada que algumas pessoas com espaço na comunicação social têm. O facto de o PCP ter votado contra é perfeitamente aceitável, eu dira mesmo normal e, acima de tudo, coerente com aquilo que sempre defenderam e sustentaram sobre o empresário em causa. Há pessoas que não conseguem (quando lhes dá jeito) perceber que os votos de pesar da Assembleia da República são o reflexo de posições políticas.
Agora, vamos às mentiras. Disseram por aí que Belmiro de Azevedo “não se subjugava ao poder político”. Pois não. Quem tem os políticos subjugados ao seu poder, não tem qualquer necessidade de se subjugar. Obviamente que Belmiro de Azevedo e a sua Sonae sempre tiveram “poder” sobre alguns políticos. Parece que já ninguém se lembra da polémica demissão do ministro Miguel Cadilhe, cujo secretário de estado, Elias da Costa, foi parar ao board administration da Sonae.
Mais? Vamos a isso. Durante o reinado cavaquista, a fortuna de Belmiro e a opulência da Sonae pulularam como nunca. A Sonae teve relações especiais com membros do governo, que posteriormente foram parar a bancos que, por sua vez, injectaram milhões no grupo Sonae. Mais tarde, alguns dos que aprovaram voluptuosos financiamentos enquanto administradores de bancos, foram parar à administração da Sonae.
O grupo Sonae, à semelhança de outros grandes grupos económicos, tornou-se também num receptáculo de ex-ministros e ex-secretários de estado. E porquê? Certamente porque eram muito competentes e andavam a perder tempo na política. Portanto, Belmiro e a Sonae nunca se subjugaram a políticos.
Belmiro também foi um fervoroso apoiante de Passos Coelho, nas eleições de 2011.
Resta falar da dependência do Estado. Só para começo de conversa, basta recordar como Belmiro de Azevedo começou a tomar o controlo da empresa. Em 1975, uma parte da Sonae foi entregue, pelo Estado, a Belmiro de Azevedo. Foi apenas o início. Belmiro começa, então, a construir o seu reinado na Sonae. Que a empresa cresceu muito depois disso ninguém tem dúvidas, mas também ninguém (pelo menos os que referi anteriormente) deveria ser alheio à forma como esse crescimento ocorreu, sobretudo à custa de investimentos especulativos.
Mas voltemos à dependência do Estado. Ao longo de décadas, a Sonae apresentou, anualmente, vários milhões de euros em benefícios fiscais. A Sonae recebeu do Estado Português subsídios ao investimento (aquisição de activos, etc.), recebeu também subsídios à exploração, entre os quais, uma grande fatia no apoio à formação via IEFP, com milhares de estágios profissionais sustentados pelo Estado.
Querem mais? Há muito mais. Mas creio que este texto não terminaria tão cedo. E já vai longo. Mas ainda há espaço para referir os milhões de que a Sonae beneficiou nos chamados subsídios de interruptibilidade de energia.
Em suma, se querem falar bem de alguém, seja em termos pessoais ou profissionais, façam-no sem recorrer à ignorância e, principalmente, à mentira. Tenho a certeza que há algo de positivo e verdadeiro para dizer sobre Belmiro de Azevedo.