Esta é uma frase que tem sido proferida muitas vezes, ultimamente, e faz-me lembrar aquela frase batida: “não és tu, sou eu…”. Na verdade, ambas as frases padecem da mesma perfídia, pois, na realidade quem a diz estará muito pouco interessado na situação de quem a escuta. Ambas as frases denotam que o emissor está só a arranjar uma desculpa para a inevitável fatalidade que caracteriza a relação entre ambos.
A frase “eu não ganho muito, tu é que ganhas pouco” significa para as relações salariais, o mesmo que “não és tu, sou eu…”, para as relações amorosas.
Se a frase fosse proferida por alguém que aufere um salário que não seja demasiado alto, até poderia fazer algum sentido. Contudo, quem a profere, quase sempre, são aqueles que têm salários obscenos.
Imaginemos duas pessoas, uma aufere um salário mensal de mil euros e a outra um salário mensal de 50 mil euros. Faz sentido esta última diga à outra: “eu não ganho muito, tu é que ganhas pouco”? É óbvio que não. E, note-se, a primeira, na realidade portuguesa, até está a receber mais do que a maioria dos portugueses, mesmo não sendo um salário alto. Já a segunda, na mesma realidade, a portuguesa, está a receber um salário altíssimo.
Há, agora e cada vez mais, esta tendência para se querer fazer aceitar a ideia de que os salários pornográficos são normais e até mesmo desejáveis, que o problema está apenas nos salários baixos.
Não. Os salários baixos são, de facto, um problema. Contudo, os salários demasiado altos também o são. Acharão os defensores dos salários obscenos que seria possível pagar esse montante a todas as pessoas? Porque é isso que insinuam constantemente. Alguns até caem no ridículo de dizer coisas do tipo: “eu trabalhei muito para isto”, ou “isto é a recompensa pelo meu esforço e sacrifício”, como se milhões de portugueses não fizessem tudo isso, todos os dias, durante muitos anos, alguns, durante toda a vida sem nunca terem conseguido atingir um salário de 4 dígitos.
Portanto, é de injustiça e de profunda desigualdade que estamos a falar.
Importa ainda referir que o dinheiro não é uma coisa infinita. Se fosse, bastaria colocar a máquina a fazer dinheiro e aumentar os salários de todos para valores condignos. Não. O dinheiro não é uma coisa infinita. Se eu tiver 10 empregados ao meu encargo e 100 mil euros para distribuir em salários, se eu optar por pagar um ordenado de 90 mil euros a um deles, só restarão 10 mil para retribuir pelos restantes.
Vá. Vamos lá acabar com essa ideia de que há por aí alguns predestinados que merecem auferir num ano, ou num mês, aquilo que a maioria não consegue auferir durante toda a vida.