Sempre que Marcelo Rebelo de Sousa fala ao país eu fico com a sensação de que está a falar aos pastorinhos. A luz (mediática) ganha outro brilho e a maioria das pessoas – os pastorinhos – fica como que anestesiada a ouvir aquele matraqueado, embalado naquele tom sacerdotal.
Marcelo conseguiu o milagre de se canonizar ainda em vida e, assim, pode dizer e fazer os maiores disparates, que vai ter sempre a maioria a aplaudi-lo e venerá-lo.
Ontem, Marcelo foi a Ovar buscar pão-de-ló para os netos e, a dada altura, numa tentativa de solenizar a visita aproveitou para enaltecer a pessoa do senhor Presidente da Câmara local, Salvador Malheiro ("um herói"), estendendo a homenagem aos demais presidentes de câmara do país.
Marcelo disse:
“Eles [Presidentes de Câmaras] tiveram que descobrir testes onde não existiam, eles tiveram que descobrir máscaras onde elas não existiam, eles tiveram de ir buscar protecção sanitária sabe-se lá onde, eles tiveram que telefonar para o Presidente da República, para o Primeiro-Ministro, para o líder da oposição, para os ministros, para os secretários de estado, enfim, para todo o mundo”. “Todos os dias tiveram que, aqui e ali, tomar decisões (…) em cima da hora…” porque a situação era premente.
Marcelo parecia extasiado com a abnegação dos senhores Presidentes de Câmara, ali representados por Salvador Malheiro (o herói). O que pensará Marcelo sobre aquilo que os portugueses estariam à espera por parte daqueles que elegeram? Que eles se recolhessem no conforto de suas casas a "twittar" e "instagramar" #vaificartudobem? Ou que estivessem reunidos numa mesa farta com os senhores da construção civil, a decidir como é que uma mão vai lavar a outra? Porque agora, mais do que nunca, é preciso lavar muito bem as mãos.
Marcelo aproveitou também para “saudar Rui Rio, líder da oposição e candidato a Primeiro-Ministro (…) que foi exemplar”, algo que Marcelo autenticou com o facto de ter recebido várias mensagens “não só de cá, como lá de fora, da Europa e do Mundo”. E todos sabemos que o cidadão português sobe logo três níveis quando o elogio vem do estrangeiro. Marcelo mostrou o seu entusiasmo pela forma “como ele [Rui Rio] tinha colocado a interesse nacional acima do interesse partidário num período crítico (…) e que foi importante para os portugueses ver que Rui Rio tinha sentido de estado, que o levava a realmente estar, ali, onde tinha de estar, ao lado dos portugueses, isso deu uma força ao país… foi um exemplo”.
Realmente, os portugueses não esperariam nada disto por parte de Rui Rio. Os portugueses têm demonstrado reiteradamente que não apreciam políticos com sentido de estado, muito menos que ponham o interesse nacional acima dos interesses pessoais.
Marcelo quis tanto enaltecer a pessoa de Rui Rio que ainda referiu que, ele próprio (Marcelo), “enquanto líder da oposição não conseguiria fazer aquilo que ele [Rui Rio] fez, por muito que tentasse não conseguiria”. Ah, grande Marcelo! Depois de se amantizar com António Costa, vem agora passar a mão pelo pêlo de Rio, não vá uma substancial parte do eleitorado do PSD levar a mal.
Marcelo parece aqueles homens, que depois de terem passado uns dias em clima de romance com as suas amásias, está agora de regresso a casa para passar o fim-de-semana com a mulher e família que tanto ama. E, como todo bom marido dissimulado não se esqueceu de levar uma jóia, um ramo de flores e uma caixa de chocolates para ofertar à sua amada esposa.
Com Marcelo é assim, vale tudo. Vale mesmo tudo para manter a imagem de “Sua Santidade”. E a verdade é que resulta. Também, com tanto pastorinho que pra aí anda.
P.S.: Mais tarde, Marcelo voltou a ter um encontro fugaz com sua "amásia de eleição". Passos Coelho diria que foi um óptimo dia de campanha eleitoral para o Dr. Rebelo de Sousa.