Está quase, quase a chegar a primeira app portuguesa que vai meter a Covid na ordem. Chama-se “StayAway Covid”, sim, porque app que é app tem que ter um nome em inglês.
Esta aplicação foi desenvolvida no INESC TEC e, quer os técnicos que a desenvolveram, quer os nossos governantes acreditam piamente que ela vai desempenhar um papel muito importante no combate à pandemia.
Eu até entendo a posição dos técnicos ao defenderem a sua dama, aquilo que me intriga é a habitual crença que os governantes têm nas novas tecnologias, a inabalável fé que lhes depositam e a profunda incapacidade que têm para avaliar, medianamente, a sua eficácia.
Ouvi dizer que o Governo financiou o desenvolvimento desta aplicação. Não tenho a certeza se é verdade ou não, mas tendo a acreditar que sim, o que me deixa ainda mais perplexo.
Alguém, no seu perfeito juízo, crê que esta aplicação vai ter um contributo significativo no combate à pandemia? Apesar de o Marques Mendes tê-la vendido muito bem, por razões que só ele saberá (ou não), a verdade é que esta aplicação não parece apresentar nada de verdadeiramente substancial no combate à pandemia.
Primeiro, trata-se de uma aplicação que funcionará com o recurso à tecnologia Bluetooth. Bem, fiz um exaustivo estudo junto de dezenas de pessoas e logo concluí que praticamente ninguém tem o hábito de manter o Bluetooth ligado por longos períodos de tempo.
Segundo, a aplicação só será eficaz se for usada por mais de 60% da população. Em Portugal, os smartphones são utilizados por pouco mais de 70% da população, pelo que será mesmo muito difícil, eu diria impossível, que o número de utilizadores desta aplicação chegue sequer a metade daquilo que seria necessário para apresentar um nível de eficácia aceitável.
Terceiro, apesar de eu não ser nenhum especialista na matéria, sei que a tecnologia Bluetooth funciona por meio de frequências que podem conectar dispositivos que estão a menos de um metro de distância, bem como dispositivos que podem estar a distâncias muito superiores (até um quilómetro). Dando como certo que os técnicos do INESC TEC tiveram isso em consideração e sabendo que é possível utilizar o Bluetooth em diferentes intensidades da frequência, estarão os senhores desenvolvedores da aplicação em condições de assegurar que apenas as pessoas que estiveram por tempo e distância consideradas válidas para o intervalo de contágio vão receber a mensagem de aviso? Temo que não. E temo ainda mais o caos que isso pode causar, presumindo que uma parte significativa da população vai usar a aplicação.
Agora, imaginemos o seguinte cenário: uma pessoa que tenha estado a 5 metros de distância de outra pessoa. Consideremos que ambos estiveram a essa distância por um tempo considerado relevante, mas que se mantiveram à distância mínima de 5 metros e que ambos até estavam a usar máscara. Neste cenário, depois de uma delas ter testado positivo, a outra vai receber a mensagem de aviso? Será necessário avisar alguém que, devidamente protegido, esteve a 5 metros de alguém que estava infectado? A aplicação não distingue os cumpridores das regras de protecção e distanciamento. E quando tomo como exemplo os 5 metros de distância, posso considerar apenas 2 metros. As dúvidas manter-se-ão.
Considerando tratar-se de uma situação excepcionalmente delicada, supõe-se que a aplicação esteja a funcionar por excesso e não por defeito, no que à distância entre dispositivos diz respeito. Então, já imaginaram a quantidade de pessoas que vão receber o aviso desnecessariamente? E o que vem a seguir? Uma avalanche de chamadas para a Linha de Saúde 24, que entupirá rapidamente. E o que vão fazer os técnicos de saúde? Confiar na aplicação e mandar testar todos quantos foram avisados pela app? Ou então ordenar que se mantenham em quarentena desnecessariamente?
Depois, há ainda a questão dos falsos positivos. Talvez os técnicos do INESC TEC não saibam, mas o Governo sabe que, não raras vezes, os testes efectuados à Covid-19 apresentam falsos positivos. Serão os senhores governantes capazes de imaginar o nível de ansiedade e de stress a que dezenas, centenas ou até mesmo milhares de pessoas podem vir a estar sujeitas desnecessariamente? Isto, partindo do princípio de que a esmagadora maioria de nós estaria a usar a aplicação, claro, convém não esquecer este pormenor.
Outra ponto muito importante tem a ver com as questões da segurança e privacidade. Os técnicos garantem que a aplicação é totalmente segura e que, em momento algum, os dados das pessoas serão divulgados e/ou usados para outros fins. Hum… Vamos lá ver se eu sou capaz de acreditar nisso… É claro que sou. Então, passa pela cabeça de alguém que os dados dos contactos possam vir a ser utilizados para outros fins? Só quem estiver de má-fé é que pode lembrar-se de tamanha aleivosia.
Aliás, os técnicos do INESC TEC fizeram questão de nos sossegar, ao garantir que estabeleceram protocolos de cooperação com a Google e com a Apple, pelo que não resta qualquer dúvida de que a privacidade e segurança estão garantidas. Mais seguro mesmo, só se a estas duas entidades se juntasse o Facebook.