Ah os médicos, profissionais de causas maiores como a saúde e a vida. O que seria dos restantes seres humanos, de condição inferior, se não existissem médicos? É por isso que eu defendo a existência de mais médicos, quanto mais melhor.
Quem não quer que haja mais médicos são… os médicos, pois claro. Há bem pouco tempo, o Governo determinou a possibilidade de aumentar o número de vagas nos cursos de medicina e os primeiros a vociferar contra a ideia foram os próprios médicos. O senhor bastonário da Ordem dos Médicos, os representantes das escolas médicas e universidades mostraram-se veementemente contra o aumento do numerus clausus nas faculdades de medicina.
Curioso que, durante muito tempo, as queixas eram de que não havia médicos suficientes, aliás, basta constatar que milhares de portugueses continuam sem médico de família ou então, basta atentar nos tempos de espera para consultas, exames de diagnóstico e cirurgias. Mas, agora que o poder político parece estar inclinado para aumentar o número de vagas, os médicos vêm dizer que, afinal, o problema não é a falta de médicos, mas sim a falta de valorização da carreira médicos.
Anteriormente, os médicos diziam que tinham trabalho a mais, que tinham que se desdobrar em múltiplos turnos e acumular várias funções. Argumentos que entendiam como mais do que justificáveis para exigirem mais "valorização das carreiras". Agora que o Estado permite aumentar o número de vagas para novos médicos, dizem que o problema não é a falta de médicos. Pois não, é a falta de vergonha na cara.
Ou seja, isso do burnout dos médicos que tanto falam, afinal é tudo mentira. Os médicos não só estão plenamente satisfeitos com a carga horária e respectiva carga de trabalho, como ainda se encontram totalmente disponíveis e fresquinhos para realizar trabalho extraordinário, desde que vejam as suas carreiras “valorizadas”.
Mas, o que raio significará “valorizar a carreira dos médicos”? Não terá a ver com questões que se prendam com o estatuto da profissão, certamente, já que se há profissão com estatuto neste país é a dos xôs doutores de bata branca. Notem que até lhes é concedido o direito a estabelecer as regras sobre o número de vagas nas faculdades de medicina. Portanto, eles é que decidem se vão ter concorrência ou não. E, assim, acentuam ainda mais o corporativismo da classe, numa mais que óbvia tentativa de manter uma posição de poder reivindicativo junto do poder político.
Note-se também que ainda se mostraram disponíveis para abrir novas vagas, mas apenas para alunos estrangeiros que desejem obter formação em Portugal.
Não há médicos desempregados, há sim, médicos com mais que um emprego, em muitos casos, no público e no privado. E, depois, há as filas de espera no Serviço Nacional de Saúde, pelo que é urgente que se formem mais médicos. O Estado tem o dever de corrigir esta situação e garantir que os profissionais que forma, a muito custo, vão estar de corpo e alma com o SNS e com a saúde dos portugueses. Tenho a certeza que não faltam pessoas bem-intencionadas e com uma verdadeira vontade de dignificar o ofício, que deveria ser muito mais uma vocação do que um caminho para a obtenção de estatuto social e folga na carteira.
E foi assim, sem mais nem menos, que cheguei à conclusão que aquilo que os médicos querem não é mais e melhores meios técnicos e humanos (então humanos, não mesmo), o que verdadeiramente desejam é mais dinheirinho, como se já não fizessem parte de uma das classes profissionais mais privilegiadas deste país.