Depois do estapafúrdio anúncio de que iria propor a obrigatoriedade da utilização da aplicação StayAway Covid, António Costa veio piorar ainda mais a situação ao afirmar que as pessoas precisavam de um abanão.
Costa considera que, agora, as pessoas precisam de um abanão? Que as pessoas relaxaram? Que as pessoas desvalorizam o risco de contaminação? O relaxamento e a desvalorização até podem ser reais, mas não vem de agora. O que raio estão as pessoas a fazer, só agora, que não fizeram durante todo o Verão e até mesmo antes de começar o Verão, logo após o desconfinamento? Nessa altura não havia vírus, nem risco de contágio? O Primeiro-ministro disse que “não poderia ver os números a aumentar e ficar de braços cruzados”. Mas esteve todo o Verão a cantar como a cigarra e agora quer passar a imagem de formiga trabalhadora.
E onde é que António Costa encontrou a solução para o problema da pandemia? Na aplicação StayAway Covid, como se a aplicação resolvesse o que quer que fosse.
É um ponto que ninguém discute. É que para lá de toda a polémica em volta da protecção de dados e para além de toda a inconstitucionalidade que fere a eventual lei que Costa quer ver aprovada, o mais absurdo é o facto de se estar a perder tempo em discutir a utilização de uma aplicação que tem um efeito inócuo no combate à pandemia. Pode-se afirmar com toda a certeza que esta, ou qualquer outra aplicação semelhante não tem qualquer impacto no combate à pandemia. Mesmo que toda a gente pudesse usá-la sempre, o impacto que a mesma teria na prevenção do contágio seria praticamente nula, desde logo porque a esmagadora maioria das pessoas portadoras do vírus são assintomáticas e não são testadas, pelo que nunca constariam na aplicação. O alcance da aplicação é tão, mas tão redutor, que ver um Primeiro-ministro dedicar-lhe tanta atenção e depositar-lhe uma fé inabalável é tão patético, que dá vontade de exigir a sua destituição do cargo. Ele não pode estar na posse de todas as suas faculdades mentais.
Voltando à parte do relaxamento das pessoas. Se é verdade que muitas pessoas baixaram demasiado a guarda face ao cumprimento das principais regras de prevenção do contágio, isso deve-se, e muito, ao comportamento do próprio Primeiro-ministro e também do Presidente da República. Como certamente todos ainda se lembram, em pleno mês de Maio, logo após o confinamento, quer António Costa quer Marcelo Rebelo de Sousa andaram a incentivar idas à praia (pejadas de gente), às esplanadas, aos restaurantes, e logo de seguida, a espectáculos no Campo Pequeno, Feiras do Livro, etc. Costa e Marcelo fartaram-se de estimular tudo isto.
E ainda tenho bem presente na memória o facto de ter visto as mais altas entidades deste país dizerem que o problema não estava nas praias cheias de gente, onde o distanciamento era manifestamente insuficiente, também não era problema os ajuntamentos dos jovens em tudo que era esplanadas e praças deste país, muitos a caírem de bêbados durante toda a noite, ajuntamentos em restaurantes também não era a causa das cadeias de contágio. Aquilo que diziam era que o problema estava nas pessoas que iam trabalhar e que usavam os transportes públicos. E que o grande problema do contágio era a coabitação. Costa e Marcelo foram os principais promotores do relaxamento.
Costa, que sendo o Primeiro-ministro tem mais responsabilidades no combate à pandemia, pouco ou nada fez ao longo do Verão para reforçar o SNS, pouco ou nada fez para evitar a calamidade nos lares, pouco ou nada fez para preparar o regresso às aulas e, agora que o número dos contágios está a disparar, Costa continua sem apresentar qualquer medida adicional com verdadeiro impacto no combate à pandemia. Costa prefere perder tempo com uma medida inócua, que toda a gente sabe que não vai avançar. Ele próprio sabe isso, e ainda assim insiste em anunciar e avançar com uma medida tão estúpida, a todos os níveis.
Com esta atitude, Costa só dá força aos negacionistas da pandemia, Costa descredibiliza as instituições e chega mesma a brincar com as mesmas, ao colocar a Assembleia da República, a Presidência da República e o Tribunal Constitucional a debater e decidir sobre algo tão estúpido. Costa fez algo ainda pior, que foi colocar todas as futuras medidas necessárias no combate à pandemia a serem vistas como mais um devaneio da governação e a poderem ter menos aderência.
Ou ainda pior do que tudo o que referi, Costa estará apenas interessado em fabricar uma desculpa esfarrapada, para usar quando for atacado por não estar a fazer aquilo que se espera de um governante. Se calhar ainda vamos ver Costa a culpar os outros partidos ou o próprio Tribunal Constitucional por impedi-lo de tomar decisões. Até nos vai fazer lembrar de Passos Coelho, vejam bem.
Marcelo também não fica bem na fotografia ao dizer que “se a lei gerar discussão, poderá ter de a remeter para o Tribunal Constitucional”. Marcelo não foi capaz de dizer qual é a sua convicção sobre o assunto, logo ele que tem formação jurídica e que gosta de papaguear sobre tudo e mais alguma coisa. Se fosse para opinar sobre a melhor cerveja do mundo já tínhamos Presidente. Mas neste caso, como estamos a poucos meses das eleições, não lhe interessa nada criar inimizades em nenhuma das partes, sim, porque ele foi às redes sociais e constatou que esta questão divide as opiniões. É, portanto, um político cuja única preocupação é a sua imagem e a manutenção do seu posto. Ana Gomes esteve bem melhor, ao não ter qualquer problema em expor a sua posição sobre o assunto. E é isso que se espera de um político, assertividade, transparência e rectidão. Sabemos que não é para todos.
Em vários países europeus, onde os números até nem são tão elevados quanto em Portugal já há medidas de confinamento, uso obrigatório de máscara em todo o lado, recolher obrigatório, medidas específicas para o ensino (ex. horários desfasados), fortes incentivos ao teletrabalho, redução do horário nas superfícies comerciais e restauração, etc. Por aqui, as medidas não são muito diferentes das que se verificaram no “período de relaxamento”, aquele que foi patrocinado pelas mais altas entidades da nação, os mesmos que agora falam em abanões.