Após a reunião do Conselho de Ministros, António Costa disse: “apesar de termos um variante mais transmissível, temos menos óbitos, menos internamentos em unidades de cuidados intensivos e menos internamentos em geral”. Isto é verdade se compararmos, por exemplo, com os números do mês de Janeiro, mas é completamente falso se compararmos com Julho de 2020, que corresponde ao período homólogo e que mais sentido faz usar como termo comparação.
No mês de Julho de 2020 morreram 159 pessoas com Covid-19, neste mês de Julho já morreram 234 pessoas (contagem até ontem), portanto, um aumento de cerca de 50%. Já no que respeita aos internamentos em cuidados intensivos, a 29 de Julho do ano passado estavam 43 pessoas em unidades UCI, ontem (dia 29 de Julho) estavam 208 pessoas em UCI, quase cinco vezes mais. Já os internamentos a 29/07/2020 eram 403, ontem, 954 internados. Mais do dobro.
Saliente-se o facto de que agora há uma variante mais contagiosa em circulação, contudo, são as próprias autoridades da saúde que informam que, apesar de mais contagiosa, a variante Delta não é mais severa (em termos de morbilidade) do que as anteriores. Além disso, temos que recordar que em Julho de 2020 ninguém estava vacinado, nem se verificava a obrigatoriedade do uso da máscara na via pública.
Ora, num momento em que os números da pandemia em Portugal demonstram que a situação continua muito preocupante e sendo Portugal um dos países da Europa com maior mortalidade, os responsáveis políticos – Presidente da República à cabeça, mas também o Primeiro-ministro – vêm falar-nos em optimismo irritante e libertação da sociedade.
Anteontem, na reunião do Infarmed, os vários intervenientes falaram como se a pandemia já não existisse, fazendo uma interpretação estapafúrdia dos números e, pior que isso, desvirtuando a realidade dos mesmos.
Por exemplo, sobre a incidência disseram que a mesma acontece maioritariamente em pessoas não vacinadas, querendo passar a ideia de que são apenas os não vacinados que estão a fazer circular o vírus. Pois bem, em termos etários, a incidência está como sempre esteve, isto é, ocorre essencialmente na população mais jovem, porque é aquela que mais se movimenta e que menos cumpre as regras de distanciamento físico e etiqueta respiratória. Sempre foi assim, apesar de anteriormente nos dizerem o contrário, apenas para justificar que os estabelecimentos de ensino eram locais seguros, não ter que pagar aos pais para ficarem em casa, etc.
Ora, sendo precisamente a população mais jovem aquela que não está vacinada ou que está pouco vacinada, obviamente que vai coincidir com a população em que a incidência é maior. Mas sempre foi assim, não é o facto de termos a população adulta e mais idosa vacinada que faz com que a incidência seja maior nos mais jovens. A questão prende-se também com o facto de agora a testagem incidir muito mais na população mais jovem, que pretende obter uma certificação para poder deslocar-se “livremente”. Anteriormente, quase não se testava a população mais nova para se poder sustentar a ideia de que não constituíam um problema e para manter as escolas abertas. Se bem se lembram, Costa e Marcelo, no Verão passado, diziam até à exaustão que “os jovens não são [eram] um problema”. O comportamento de muitos jovens não se alterou, infelizmente - e as autoridades nem sequer fazem cumprir a lei - , e a narrativa de políticos e especialistas passou a ser de que são eles o problema, só porque não estão vacinados. Por outro lado, quem alterou e muito o seu comportamento foi uma boa parte da população adulta e dos mais velhos que já se encontram vacinados. Muita desta população baixou nitidamente a guarda e perdeu o receio à doença, muito por culpa da má comunicação que as autoridades tiveram, desde o início, sobre a vacinação. Muitas destas pessoas acreditaram que por estarem vacinadas já podem voltar à “vida normal”. A frase que mais se ouve da boca das pessoas já vacinadas, por estes dias, é: “Oh, eu já estou vacinado(a), não há problema”.
Atribuir à vacinação uma maior importância do que aquela que realmente tem – mesmo sendo a principal arma, neste momento -, comporta dois problemas graves: o primeiro tem a ver com o facto de as pessoas vacinadas deixarem de cumprir as regras antes do tempo – antes da eventual imunidade de grupo -, podendo também contribuir para o surgimento de novas variantes mais perigosas; o segundo, tem a ver com o facto de as autoridades ficarem sem argumentos para, no futuro, justificar por que razão uma elevada taxa de vacinação poderá não ser suficiente.
Nota-se, pois, uma cegueira por parte de políticos e especialistas em dizer as maiores barbaridades apenas para infatizar a necessidade de se vacinar, como se isso fosse um problema em Portugal. Os portugueses são dos que mais confiam nas vacinas e, como se sabe, neste momento há mais braços disponíveis do que picas. Vejam bem ao absurdo a que isto chegou, quando um “especialista” em saúde pública diz na TV que, agora, “o vírus anda atrás das pessoas que não estão vacinadas”.
Outra imbecilidade que se ouviu na reunião do Infarmed foi a que o porta-voz da DGS disse sobre os internamentos. Numa clara tentativa de querer insinuar que os internamentos acontecem sobretudo na população mais jovem, o indivíduo disse que, actualmente, a maioria dos internamentos se verifica na “faixa etária dos 20 aos 79 anos”. Mas que grande faixa etária! As estratégias que estes tipos inventam para distorcer a realidade. A esmagadora maioria dos internamentos ocorre acima dos 50 anos, sendo que as mortes se verificam essencialmente na população acima dos 70 anos, muito provavelmente já completamente vacinada. Se repararem, não há informação oficial sobre se os óbitos ocorrem na população já completamente vacinada, e isso é um dado importante, sobretudo saber se as mortes incidem mais em pessoas com uma determinada vacina. O facto de esta informação estar a ser sonegada à população leva-me a acreditar que as mortes estão mesmo a acontecer sobretudo em pessoas vacinadas, caso contrário, estaríamos a ser metralhados com a notícia contrária de manhã à noite.
Houve também quem dissesse que “apenas 2% dos internamentos correspondem a pessoas com vacinação completa”. Bem, eu nem sei o que é que uma pessoa que mente desta forma ao país merece. Em primeiro lugar, vários médicos que trabalham nas áreas Covid dos hospitais têm referido que são muitas as pessoas com vacinação completa que se encontram hospitalizadas. E basta olharmos para o que está a acontecer em Inglaterra, por exemplo, onde mais de 40% dos internamentos corresponde a pessoas com vacinação completa. Mas em Portugal é de apenas 2%.
O Presidente da República insiste que vê sinais de esperança nos números da pandemia e fala em fim da pandemia. O Primeiro-ministro diz que vai libertar o país no final do Verão. Será que esta gente não vê o que se passa no resto do mundo? Se vêm, como podem falar em fim da pandemia? Será que estão a pensar fechar todas as fronteiras, incluído o espaço aéreo? Seria algo inédito, já que este Governo tem por hábito fazer o contrário, ou seja, deixar entrar tudo e todos.
Que tipo de político pode considerar que é possível atingir a imunidade de grupo em Setembro e libertar o país, quando isso depende da situação no resto do mundo? Qual será a interpretação que esta gente faz da palavra PAN-DE-MI-A?
É lógico que compete aos governos de cada país implementar medidas de acordo com a situação que cada um enfrenta e que não é igual entre todos, a cada momento, contudo, não é aceitável que alguém possa decretar o fim da pandemia no seu país, quando isso não depende apenas daquilo que se passa dentro de portas. A menos que esse país se isole do resto do mundo.
Lá para o Outono, teremos que levar com toda esta gente a dizer que, afinal, as coisas não correram como se previu, que o vírus é imprevisível, trocou-nos as voltas, que ninguém poderia imaginar que isto iria acontecer, ou seja, o habitual.
Se eu estiver enganado (e oxalá esteja), será com enorme prazer e alegria que virei aqui reconhecê-lo.