O chorrilho é o do costume, começa nas autoridades da saúde – nos ditos especialistas – e passa logo para as autoridades políticas e, note-se que não é apenas o governo, mas quase todos os partidos. A este chorrilho junta-se também o habitual choradinho da comunicação social. Isto é mais contagioso do que a Ómicron.
Não tenho a certeza, mas às vezes fico com a sensação de que há uma espécie de psicose generalizada nestas instituições, tal é a falta de aderência à realidade patente naquilo que dizem. E fazem-no como se fossem os detentores da verdade e como se fossem alguém em quem nós devemos acreditar sem qualquer reserva mental, como se a nossa inteligência tivesse sido captura, tal como as deles.
Com o crescente número de casos da pandemia de Covid-19, naquele que é o país com maior taxa de vacinação na Europa e um dos maiores do mundo, o discurso - transversal às três entidades acima mencionadas – é o de que apesar de se notar um crescimento nos números, os mesmos são muito inferiores aos verificados no ano passado por esta altura e que isso se deve à elevada taxa de vacinação e à elevada eficácia das vacinas. Um tal de Marques Mendes e outros que tais até já vieram papaguear que é muito importante que a comunicação social tenha o papel de passar esta informação para as pessoas. E que, em vez de apenas apresentarem os números diários, os órgãos de comunicação social deveriam passar a enfatizar a comparação com os números do ano passado, só para que se tenha a noção.
Bem, devo dizer que se trata de uma formulação de pensamento pacóvio, o de achar que as pessoas em casa não têm capacidade para observar a evolução dos números e retirar as devidas conclusões. Mas como eu sei que a maioria das pessoas não o faz – seja por que razão for -, eu decidi fazê-lo. Então, vamos lá comparar os números como deve ser.
No sábado à noite a RTP enfatizava que, nesse mesmo dia – 4 de Dezembro – a mortalidade em Portugal atingiu os 22 óbitos. E que ao comparar com o mesmo dia de 2020 (79 óbitos) verifica-se que os números de agora são quatro vezes menos. No Jornal da Noite da SIC (ontem), Marques Mendes fez a mesma análise e a mesma conclusão. E são muitos a fazê-lo todos os dias. Toda a comunicação social tem feito eco da mesma interpretação, concluindo sempre com a mesma ilação: a de que as vacinas são muito eficazes contra morte e doença grave.
Pois bem, a mesma comunicação social, há pouco mais de um mês, dava-nos conta da mesma ilação – que já vem muito de lá atrás -, a de que os óbitos são muito menores agora, contudo, nessa altura diziam-nos que as vacinas eram tão eficazes que o número de óbitos era 10 vezes inferiores agora, por comparação com o período homólogo do ano passado. Ou seja, há cerca de um mês a comunicação social abria noticiários e fazia gordas manchetes a dizer que a mortalidade este ano era 10 vezes menor que no ano passado. Em apenas um mês, continua a sustentar a mesma ideia de que as vacinas são muito eficazes, quando as dez vezes menos de mortes verificadas passou para apenas quatro vezes menos. Bem, é claro que é melhor ter quatro vezes menos do que nada, mas é no mínimo questionável o facto de a comunicação social não ser capaz de dar conta desta perda de “eficácia” em tão pouco tempo. Se é questionável a postura da comunicação social, o que dizer das autoridades políticas e da saúde?
Outro exemplo. A 31 de Outubro deste ano, a mortalidade verificada a sete dias apresentava uma média de três óbitos. Quando comparada com o período homólogo (2020), que apresentou uma média de 30 óbitos, temos as tais “dez vezes menos” tão propalada. Mas se fizermos a mesma comparação (média semanal), tendo por base o dia 4 de Dezembro, verificamos que este ano ocorreram 16 óbitos e no ano passado 75. Ou seja, um pouco acima de quatro vezes mais.
Portanto, em apenas um mês, as “dez vezes menos” passaram a apenas “quatro vezes menos”. E, segundo a tendência verificada nos últimos dias - até porque ontem voltou a subir – o caminho é o de baixar para bastante menos a redução da diferença do nível de mortalidade face ao mesmo período do ano passado. Mas o discurso continua a ser o de que as vacinas fazem toda a diferença, mesmo quando “toda a diferença” pode significar “dez vezes menos” ou “quatro vezes menos”, porque já deu para ver – há muito – que para esta gente “toda a diferença” será sempre uma enorme diferença, até mesmo se não houver diferença nenhuma.
Como já vieram garantir – Marcelo, Costa e o chorrilho -, não haverá medidas de confinamento, nem acréscimo de restrições (excepto para os poucos não vacinados que continuam a levar com as culpas do claro declínio da eficácia das vacinas) e no Natal é para a farra, porque depois em Janeiro temos uma “semana de contenção” que vai resolver tudo. Gostaria muito de estar enganado, mas o cenário no final de Janeiro não é nada bonito de se antever.
Outro exemplo claro da eficácia das vacinas é o que se passa na Alemanha que, com cerca de 70% da população vacinada e com mais doses de reforço administradas do que em Portugal, continua a apresentar um nível de mortalidade que rivaliza com os verificados no ano passado, por esta altura, com zero vacinados. É que na Alemanha o Verão não é tão amigo e longo como em Portugal, sobretudo este ano, em que o Verão andou por cá até muito tarde. Portanto, em Portugal, a vacinação faz toda a diferença porque há 86% de vacinados. Na Alemanha, com 70%, a diferença é quase nula. Ou seja, ter 70% ou zero é quase indiferente, mas se ultrapassarmos os 80%, ah, então já faz toda a diferença.
Ainda em relação à eficácia das vacinas – que para as entidades mencionadas e também para a maioria da população é muito elevada – tenho a referir que está muito aquém daquilo que foi anunciado, com toda a pompa e circunstância, pelos laboratórios que as comercializam. Verificar que as entidades políticas e da saúde, sobretudo as nacionais e europeias, não só não conseguiram chegar a essa conclusão, como o discurso continua a ser o de enfatizar, agora, mais do que nunca, a fé inabalável numas vacinas que, claramente não oferecem, nem de perto, a elevada eficácia anunciada. Vejam o absurdo da situação, que até andam a urdir a obrigatoriedade das mesmas.