Nem todas as guerras passam do terreno para as telas e tablóides, mas a guerra na Ucrânia goza desse privilégio 24h/24h. Há semanas que os bombardeamentos informativos são largamente desproporcionais – por excesso - aos bombardeamentos no terreno. Não que eu considere que a informação não deva ser dada – muito menos que os bombardeamentos no terreno sejam poucos -, o meu espanto vai mais para o facto de muitos outros bombardeamentos, em outros terrenos, não terem a mesma cobertura ou simplesmente não terem nenhuma visibilidade nas telas e nas redes. Além disso, será que os actuais bombardeamentos informativos são fidedignos?
Em princípio, a guerra da desinformação existe nos dois lados da barricada. Digo “em princípio” porque, na realidade, ninguém sabe ao certo o que é dito do outro lado, porque quem manda na informação que circula do lado de cá proíbe que os órgãos de comunicação social do “inimigo” tenham sinal aberto deste lado. Que bons que são os donos da informação do lado de cá, sempre muito preocupados em proteger as nossas cabecinhas frágeis e tão inaptas para fazer a destrinça entre o bem e o mal, entre o certo e o errado. Como nós somos tão incapazes e estúpidos, eles tomam a “liberdade” de nos proteger de vermos o diabo, que é tão feio e mau. Não são uns queridos?
Vejamos, as informações recentes dão conta de que já morreram mais de dois mil civis na Ucrânia, e o Presidente Zelensky informou que os militares ucranianos mortos em combate são muito menos do que as perdas civis. Zelensky diz também que os ucranianos já abateram mais de 12 mil soldados russos. É obra. Considerando a veracidade desta informação, eu suponho que quando Zelensky pede a intervenção da OTAN no terreno é para que esta se despache a ajudar o exército russo, que está a levar um tareão de meia-noite.
Portanto, a informação que circula no ocidente tenta passar uma ideia de que a Ucrânia tem resistido com enorme sucesso. Se bem se lembram, pouquíssimos dias após o início da invasão, os órgãos de comunicação social do lado de cá diziam que Putin já havia perdido a guerra, porque tinha planos para tomar a capital Kiev em apenas dois ou três dias. Bem, eu não sei como é que eles conseguiram aceder aos planos de guerra de Putin, mas eles falam com tanta convicção que eu acredito. Claro que acredito.
Por outro lado, eu suponho, repito, suponho - porque eu não estou autorizado a ver a informação que circula do lado de lá – que Putin tente fazer o mesmo, ou seja, transmitir ao seu povo uma mensagem de sucesso da sua operação militar na Ucrânia.
Como é sabido, os jornalistas praticamente não têm acesso às zonas de combate. Reparem, Zelensky fala de mais de 12 mil militares russos mortos. Alguém viu uma imagem que confirmasse essa “verdade”? Há jornalistas portugueses que, mesmo sentadinhos nas cadeiras confortáveis dos estúdios de televisão nacionais, conseguem saber que os russos deixam os corpos dos seus compatriotas no chão para serem comidos por cães, ou então, sempre que haja baixas, eles recuperam os corpos e mandam-nos para as incineradoras. Claro. Faz todo o sentido. E eu suponho que os militares ucranianos que abateram mais de 12 mil soldados russos, aproveitam para fazer um intervalo enquanto os militares russos incineram os seus compatriotas. No final do processo de incineração, os russos dizem: “Pronto, já está a valer”. E a matança continua.
Por cá, dizem que os russos estão a perder a guerra, porque os avanços no terreno estão mais lentos do que seria esperado. Bem, até nos mostrarem o cronograma da invasão delineada por Putin, nunca poderemos saber se a progressão das tropas russas é lenta ou rápida.
Há um ponto que quase todos já assimilaram – lindos meninos -, o de que tudo aquilo que é dito no lado de cá é o que está certo. E quem tentar sequer levantar a mínima dúvida acerca daquilo que é dito, será automaticamente enxovalhado e rotulado de ser alguém que está a pôr em causa a soberania e a democracia da nação ucraniana. Não sei se conseguem vislumbrar as semelhanças com o que se passou e passa nos assuntos relacionados com a pandemia? Eu não sei se alguém pode confiar numa comunicação social que andou mais de um ano a tentar transformar as vacinas contra a Covid-19 no “santo graal”, e a perseguir, discriminar e enxovalhar as pessoas que não quiseram experimentá-las, para de um momento para o outro passarem a dedicar-se – em exclusivo - ao tiro ao alvo a Vladimir Putin, à eliminação da cultura russa e ao cancelamento da nação russa. Reparem nas absurdas contradições desta gente, que até agora consideravam que a esmagadora maioria do povo ucraniano não era digna de viver em sociedade, sim, porque não estavam (nem estão) vacinados contra a Covid-19 e, portanto, para aqueles que plantam narrativas não passavam de uns chalupas antivacinas, anticiência e terraplanistas. De repente, bastou um pequeno “toque de Putin” para os transformar nos heróis do mundo.
Continuando. O comportamento das redes sociais é muito semelhante ao praticado pelos órgãos de comunicação social. O alinhamento é perfeito. A narrativa é a mesma, não se desvia nem um milímetro. E se alguém ousar desviar-se – porque nas redes sociais não é tão fácil de se proceder ao controlo pré-publicação – é imediatamente cancelado. Como sabemos, as redes sociais silenciaram o lado russo. Note-se que até silenciaram contas de utilizadores que nada têm a ver com este conflito e que nem sequer se pronunciaram sobre o assunto. Mas não são apenas os russos a serem silenciados. Qualquer um que se atreva a contrariar a narrativa pré-estabelecida ou a pôr em causa a veracidade de qualquer informação torna-se alvo de censura.
As redes sociais Facebook e Instagram chegam mesmo a incentivar à violência contra cidadãos russos e apelos à morte de Putin. Não será isto um crime?
E se fossem os EUA a invadir um país? O comportamento destas organizações seria o mesmo? Os EUA já invadiram inúmeros países e, neste momento, continuam a combater directa e indirectamente em terras alheias, onde milhares de inocentes são mortos. Só para que se tenha bem a noção da dimensão da coisa, os EUA são o país que já invadiu ou estiveve/está presente em conflitos armados. Isto não significa que, por esse motivo, a Rússia passe a gozar do direito de invadir a Ucrânia. Claro que não. Mas a sordidez da questão está na hipocrisia evidenciada pelas sociedades ocidentais, na absurda diferença de tratamento que assumem perante coisas iguais.
Então no que respeita às big tech, a coisa assume uma desproporção abissal. Empresas como Facebook, Google, Microsoft e Amazon lucraram e lucram muitos milhares de milhões de dólares com o simples facto de não assumirem uma posição de independência e de neutralidade. Estão sempre do lado do seu governo, servem sempre as suas narrativas e lucram muito com isso. O Pentágono pagou mais de 44 mil milhões de dólares, para que estas corporações cooperassem com o Departamento de Segurança Interna e Departamento de Defesa, através do fornecimento de ferramentas tecnológicas que podem ajudar o exército americano no terreno. Mas também servindo como suporte de disseminação da narrativa da administração norte-americana. Ora, se tivermos em conta que estas empresas têm via aberta para penetrar nas mentes de milhões de pessoas em todo o mundo, rapidamente concluiremos que o mundo ocidental vive numa realidade pré-fabricada e falsificada.
E é por essa razão que muitos ex-governantes norte-americanos acabam por ir parar à administração das grandes empresas tecnológicas. Desde pessoas que estiveram no Departamento de Defesa, no Departamento de Segurança Interna ou na Agência Nacional de Segurança. Trata-se de uma das portas que mais gira para aqueles lados, através da qual se trafica influências mútuas e se criam as narrativas reinantes que visam servir os interesses das grandes corporações e da malandragem de Washington.
Como pode alguém confiar na informação que provém daqueles que não têm nenhum interesse em defender o que é certo ou errado, mas sim aquilo que cumpre os objectivos das suas agendas putrefactas?
Muitas pessoas até chegam à conclusão de que existem dois pesos e duas medidas, no entanto, passam por cima desse “pormenor” sem qualquer problema. É como se a maioria das pessoas já não tivesse sequer consciência de quem são, para assumir uma posição que lhes foi imposta e que elas abraçam como se fosse a sua desde sempre. Este é o sonho tornado realidade de qualquer sistema ditatorial – aquele em que a vontade de poucos é confortavelmente assimilada pelas massas, que a interiorizam sem o mínimo esforço, desprovidas de qualquer sentido crítico e que ainda a defendem acerrimamente, como se a sua sobrevivência dependesse dela.
Quem será que nós vamos odiar a seguir? É só estar atento às notícias e às tendências das redes sociais.