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Há dois dias, um individuo assassinou duas pessoas. O crime ocorreu no Centro Ismaelita em Lisboa e foi perpetrado por um indivíduo de nacionalidade afegã.
E como reagiu uma grande parte do país? Marcelo Rebelo de Sousa disse que “genericamente, a sociedade portuguesa reagiu muito bem, porque reagiu com bom senso”. E depois começou a divagar sobre a situação, alegando que nós [os portugueses] “temos quase 900 anos” e “já vimos tudo”. E que “relativizamos aquilo que deve ser relativizado e percebemos aquilo que é grave”. Portanto, Marcelo Rebelo de Sousa entende que este crime não é grave e que deve ser relativizado. É a posição do Presidente da República.
Já o país reagiu com a habitual guerra de trincheiras. De um lado estão “os Venturas” que se aproveitam logo da situação para retirar dividendos políticos. Apesar de apontarem um facto inegável – o de que os governos não têm uma política minimamente definida em relação à entrada de refugiados ou de imigrantes – percebe-se bem que não estão minimamente interessados na situação de vida dessas pessoas, mas apenas em cavalgar a onda xenófoba e racista. Nada de novo, portanto.
Aquilo que realmente surpreende é a argumentação daqueles que estão do outro lado – o lado dos cidadãos que são uma jóia de pessoas. Portanto, acontece um crime horrendo e um alargado grupo de pessoas (bem maior do que “os Venturas”) está de manhã à noite, em tudo o que é canto da nobre comunicação social a tentar minimizar a situação, a fazer crer que aquilo que aconteceu não foi um violentíssimo crime. E, acima de tudo, a actuarem com uma inacreditável complacência para com o assassino. Quase que a santificá-lo. E ainda acusam “os Venturas” de não terem respeito pelas vítimas. Nunca tinha visto uma onda de solidariedade e compaixão para com um assassino.
Uns dizem que se trata de “um indivíduo muito calmo e muito cuidadoso com os filhos”. Outros dizem que ele até já “havia gravado um vídeo a pedir ajuda”. Há quem tenha sugerido que “ele ouvia vozes”, que andava “perturbado desde que perdeu a mulher” e que terá sido vítima de um “surto psicótico”. E que o facto de estar na posse de uma faca era “porque andava com medo” e a faca era “para se defender”. Enfim, a insanidade desta gente é tal que, alguns até chegam a sugerir que a culpa é do Estado, que não soube proteger este indivíduo e proporcionar-lhe melhores condições de vida. Muitos desses que criticam o Estado são os mesmos que dizem que o Centro Ismaili e a Fundação Aga Khan se dedicam a valores muito nobres e que muito têm feito pelo próximo. Marcelo até disse que Portugal lhes deve muito. Outros dizem que eles são um exemplo tão enorme de humanidade, que até já se disponibilizaram para acolher os filhos do homicida. Mas, se são assim tão beneméritos e uns seres humanos tão exemplares, como se explica que não tenham sido capazes de ajudar este indivíduo e seus filhos há mais tempo?
Estou só a questionar. Eu não conheço os ismaelitas de lado nenhum. Aquilo que conheço (o suficiente) é a situação de vida do seu líder espiritual, que se diz descendente de Maomé. Sua Alteza, o Aga Khan é só uma das pessoas mais ricas do mundo, daqueles que ostentam aviões e iates privados, habitações de luxo em todas as principais cidades mundiais e que até conta com uma ilha privada na sua longa lista de valores muito nobres.
Portanto, de um lado os xenófobos e racistas a querer passar a ideia de que todos os refugiados e todos os imigrantes são gente muito perigosa e que devem ser impedidos de entrar no nosso país. Do outro lado, um grupo de histéricos armados em bonzinhos sonsos e tontos que, ao invés de usar os argumentos certos (a verdade), apenas tentam distanciar-se o mais possível daquilo que “os Venturas” disseram, mesmo que para isso tenham que recorrer a narrativas patéticas. E têm-no feito recorrentemente. Neste caso concreto, o Ventura tenta fazer generalizações só para cavalgar a onda xenófoba e racista e o que decidem fazer os bonzinhos para o contrariar? Relativizam muito bem "relativizadinho" o crime que aconteceu e até se atrevem a vitimizar, desculpar e a santificar o assassino em causa. Eles - os bonzinhos - só querem deixar bem vincado que estão nos antípodas do pensamento do Ventura, porque para os bonzinhos o Ventura representa todos os males. E eles são tudo o que há de bom. Qualquer dia, o Ventura lembra-se de exigir uma nova ponte sobre o rio Tejo e o bando dos bonzinhos irreflectidos vai cair em cima dele e exigir para que se mande abaixo a ponte Vasco da Gama. Só para o contrariar.
Vejamos, pouco importa quem é o homicida. Se é refugiado, se é imigrante ou natural de cá. Pouco importa se é branco, preto, amarelo ou azul. Pouco importa qual é o seu género, ou o género que ele pensa que é. Pouco importa se é rico ou se é pobre. Aquilo que está em causa é a ocorrência de um crime hediondo, cujo perpetrador tem que pagar e ponto final. O resto é tudo conversa para dividir a sociedade em dois lados (em que nenhum deles é bom) e a tentativa de arregimentar apoiantes, quer para o lado dos xenófobos e racistas, quer para o lado dos bonzinhos sonsos e tontos.
Eu digo já que me recuso a alinhar em qualquer um dos lados.