![vondergarden.jpg]()
O Banco Central Europeu (BCE) voltou a aumentar a taxa de juro, que já está nos 4%. E também já adiantou que voltará a aumentar no próximo mês. O BCE, bem como todas as instituições europeias e respectivos governos dos estados-membros continuam a insistir na ideia de que se trata de uma medida de combate à inflação.
Já aqui tenho referido, mas nunca é demais dizê-lo que este aumento das taxas de juro de referência nada têm a ver com a tentativa de baixar a inflação que, por sua vez, também resulta de manobras de mercado viciadas que não correspondem à situação real. Qualquer pessoa que conheça e perceba o mínimo da teoria económica sabe que a ideia de aumentar a taxa de juro como forma de fazer baixar a inflação, só faz sentido numa situação em que se verifica um enorme aumento da procura resultante do excesso de liquidez no mercado. Por outras palavras, numa situação em que os consumidores têm excesso de dinheiro e estão a gastá-lo de modo supérfluo. Aliás, a teoria económica defende, neste caso concreto, o aumento da taxa de juro como forma a estimular a poupança.
Pois não é nada disso que está a acontecer. Aquilo que se verifica é um aumento nas taxas de juro que incidem sobre os créditos e não nas que incidem sobre a poupança. Se por um lado, encarecer o crédito ao consumo poderia fazer algum sentido, caso a inflação resultasse dos dois factores atrás referidos: excesso de liquidez e aumento do consumo; por outro lado há que ter bem presente que o problema do aumento das taxas de juro é que elas fazem disparar o valor a pagar pelos empréstimos à habitação – que é um direito básico e essencial ao bem-estar das pessoas.
Neste momento, há famílias que já estão a pagar o triplo do valor da prestação da casa que pagavam, antes de o BCE optar pela desenfreada subida das taxas de juro, algo que só tem como objectivo canalizar muitos milhares de milhões de euros para a banca, que tem vindo a apresentar lucros pornográficos. É só isso. O facto de alegarem que a taxa de inflação tem vindo a baixar não tem nada a ver com o aumento das taxas de juro, tal como o aumento da inflação nada teve a ver com o normal funcionamento do mercado, mas sim com manobras ficcionadas que conduziram a esse aumento. Manobras de mercado fabricadas por que tem o poder de fixar os preços e prontamente admitidas pelo poder político, que ainda legisla em seu favor.
Apesar de caber ao BCE a responsabilidade de actuar nestas circunstâncias, não esqueçamos que o BCE é um organismo público que deveria agir no interesse de todos os cidadãos e não apenas da meia dúzia do costume. Além disso, as restantes instituições europeias, bem como os governos de cada país podem e devem legislar no sentido de mitigar as desigualdades. Neste caso concreto, caberia ao poder político garantir que os empréstimos à habitação (direito essencial) não estariam sujeitos a tamanhos e consecutivos aumentos, ou obrigar os bancos a suportarem o custo relativo ao aumento da inflação, no valor proporcional ao colossal aumento dos lucros que tiveram com o aumento das taxas de juro. O poder político não faz nada disto, apenas fica de braços cruzados perante o pérfido funcionamento de um mercado altamente deturpado e viciado, e ainda legisla de acordo com as pretensões gananciosas de uma meia dúzia de pessoas e instituições.
Mas aquilo que mais me surpreende é o comportamento e a opinião das pessoas. Conheço muitas que estão a pagar valores absurdos pelos seus empréstimos à habitação e, no entanto, vejo-as completamente resignadas, conformadas, como se isto fosse uma inevitabilidade. As pessoas estão de tal forma dominadas pela corrente do pensamento único que tem vindo a ser infligida pelo poder político e propagandeada pela comunicação social, que já não conseguem sequer pensar objectivamente, muito menos serem capazes de se indignar e de exercer um outro direito básico – o direito de reclamar.
É assim que se encontra a sociedade. Ludibriada, apática, doente e crente de que vive num sistema democrático liderado por políticos que estão a fazer tudo o que podem, para defender o interesse das pessoas, o bem-comum.
Quando aqueles que estão no poder não actuam na defesa do bem-comum e do bem-estar das pessoas (apenas da tal meia dúzia) e, mesmo assim, continuam a ser percepcionados como gente democrática, a vida fica cada vez mais difícil para todos aqueles que sonham fazer carreira como ditadores.
Pior do que um sistema ditatorial em que as pessoas já tomaram consciência da realidade em que vivem, só um sistema ditatorial que é percepcionado como livre e democrático.