Para António Costa, os efeitos positivos - para o país - produzidos com a realização das Jornadas Mundiais da Juventude (JMJ) são inimagináveis. O primeiro-ministro disse que “não tem só a ver com o ganho imediato que o país vai ter entre refeições vendidas, alojamentos vendidos, transportes, etc. É todo o activo que fica para o futuro. Porque eventos desta natureza dão uma projecção inimaginável.”
Por outro lado, Carlos Moedas não tem nenhuma dificuldade em imaginar e quantificar os milagres que as JMJ vão produzir na sociedade portuguesa. O presidente da Câmara Municipal de Lisboa referiu que “dos 35 milhões de euros gastos há 25 milhões que ficam para a cidade, portanto o que nós estamos aqui a falar é de um investimento de 10 milhões, para um evento que vai trazer centenas de milhões. Todos sabemos que este evento vai trazer centenas de milhões para a cidade."
Todos sabemos? Moedas não se coíbe em projectar números e não se fica por uns meros trocos. Não, Moedas pensa em grande e já fez as contas todas. Segundo o próprio, Lisboa receberá, pelo menos, 1 milhão de jovens que, segundo as suas projecções irão gastar em média 300 euros cada um. Portanto, um retorno de 300 milhões de euros para a cidade.
Bem, eu não fiquei muito seguro acerca das contas simplistas do senhor presidente da Câmara Municipal de Lisboa e fui inteirar-me do assunto com o merceeiro da esquina, que me garantiu que as contas de Carlos Moedas estão certas.
Voltando à projecção inimaginável para o país, António Costa alega que isso conduzirá a um acréscimo de turistas que visitarão Portugal no futuro. E ainda estabeleceu o paralelismo com o Euro2004.
Primeiro, não há nenhuma evidência de que um evento desta natureza venha a ter qualquer impacto no volume de turistas que vão visitar Portugal no futuro. Fala-se muito da projecção que este evento tem no resto do mundo, mas isso não só não está provado, como não tem qualquer aderência com a realidade. Basta tentar recordar como e onde foram as últimas edições das JMJ. Ninguém se lembra onde foi, nem sequer de ter visto – por cá - qualquer reportagem sobre as mesmas. E é exactamente isso que vai acontecer com estas JMJ, ou seja, serão noticiadas no resto do mundo como meras notas de rodapé. O facto de as JMJ serem o tema que tem ocupado os blocos noticiários – de manhã à noite – há várias semanas, isso não significa que “lá fora” se fale no evento.
Como referi, as JMJ são noticiadas lá fora como meras notas de rodapé. A única coisa que poderá ter algum destaque internacional será uma ou outra mensagem que o Papa Francisco poderá deixar nas suas intervenções. Nada mais que isso. Nenhum órgão de comunicação social internacional irá reportar qualquer facto sobre Portugal ou sobre Lisboa. Mas os políticos bacocos acreditam piamente (eles têm muita fé) que quando alguém – lá fora – vir uma pequena notícia sobre aquilo que o Papa disse em Portugal, irão todos a correr para a Internet efectuar reservas nos hotéis portugueses. Os mesmos políticos bacocos que acreditavam piamente que a realização da final da Liga dos Campeões – também em Lisboa e em plena pandemia - iria contribuir para a vinda de milhares de turistas a Portugal. Toda a gente sabe que quando alguém está a assistir, através da televisão, a uma final da Liga dos Campeões, a primeira coisa que lhe passa pela cabeça é saber onde se realiza essa final e tratar de reservar umas belas férias nesse local. Eu, sempre que assisto a uma final da Liga dos Campeões, a primeira coisa que faço é reparar no estado do relvado e das bancadas – as únicas coisas que consigo ver – e se estiverem em bom estado deduzo imediatamente que se trata de um país, ou de uma cidade que vale a pena visitar.
Mas, admitamos que este tipo de eventos têm muito impacto na imagem que o país tem lá fora. Se há coisa que o país não precisa é de mais turistas. Portugal já é um país com uma enorme projecção turística lá fora, bem mais do que aquilo que corresponde à dimensão do país. Mais turistas em Portugal significa mais aumento no preço da habitação e mais aumento no preço das estadias em unidades hoteleiras, algo que só trará mais riqueza a uma meia dúzia de privilegiados e mais dificuldades à esmagadora maioria dos portugueses.
Portanto, a estratégia de sempre. Os políticos do bloco central e a sua comunicação social – qual igreja de fanáticos - a doutrinar os cidadãos para uma realidade que não serve os interesses da maioria, mas apenas os de uma minoria que, com mais ou menos ajustes directos (“não se martirizem com isso”), consegue sempre levar a água ao seu moinho.
Nota de rodapé: Consta que nestas JMJ só não há jovens provenientes das Maldivas (outra mentira). Não digam isso muitas vezes, senão António Costa ainda decide enviar um Falcon da Força Aérea até às Maldivas para trazer um ou dois residentes. Até parece que estou a ver António Costa a justificar uma atitude destas, alegando que esses dois cidadãos maldivos irão "projectar" todos os turistas que habitualmente visitam as ilhas do Índico para Portugal.