É o sistema, é o bloco central, é o tachismo de carreira
Hélder Rosalino recusou assumir a função de “secretário-geral do governo”, por não poder manter o mesmo salário que recebe no Banco de Portugal.
A lei que estava em vigor até ao dia 25 de Dezembro definia que o salário do secretário-geral do governo seria cerca de seis mil euros, mas o Pai-Natal, este ano, veio com um fato cor de laranja e deixou no sapatinho uma alteração à lei, para que o salário do Rosalino pudesse chegar aos 16 mil euros. Reparem, não se trata apenas de uma tremenda filhadaputice, já que revela que os governantes fazem leis à medida dos seus amigos, mas também demonstra que os governantes são muito expeditos a resolver questões que tenham a ver com as suas ricas vidinhas. O governo não resolve o problema das urgências e ainda dificulta o acesso aos cuidados de saúde, nos momentos de maior fragilidade da vida das pessoas. Mas, em pleno Natal, não tiveram nenhum problema em arranjar um tempinho para alterar uma lei, bem à medida do tachista da ocasião.
Há muitas outras questões que se podem levantar com este caso. Desde logo, a de se saber por que razão é necessário um “secretário-geral do governo”. Está na cara que é apenas mais um tacho. Outra questão prende-se com o facto de Hélder Rosalino ser um consultor do Banco de Portugal, onde aufere uns pornográficos 16 mil euros de salário mensal, fora as demais benesses inerentes à função. Por que razão o Banco de Portugal necessita de tantos consultores (todos tachistas do PSD/CDS e do PS)? Aliás, o Banco de Portugal é uma instituição completamente obsoleta, que não serve para nada que não seja fazer eco daquilo que é decidido no Banco Central Europeu (BCE). Ou seja, na pior das hipóteses, poderia manter-se a existência do Banco de Portugal apenas com a função do seu governador, para papaguear aquilo que o BCE lhe manda papaguear. Ou, às vezes, fazer de conta que discorda do BCE, para amortecer o impacto negativo que as decisões do BCE têm na opinião pública. E para funcionar como uma espécie de museu moribundo, que mantenha viva a memória dos tempos em que havia soberania em Portugal.
Portanto, o Banco de Portugal nem sequer deveria existir, não neste enquadramento europeu, muito menos deveria ter tantos, mas mesmo tantos tachos a sugar muitos milhares de euros mensais (desenganem-se se pensam que Rosalino é caso único).
Mas todo este imbróglio é uma pena, porque o Hélder Rosalino – o tachista do Banco de Portugal que aufere 16 mil euros mensais para não fazer nada – é uma pessoa imbuída de um espírito de serviço público incalculável. Ele seria um óptimo secretário-geral do governo e um exímio lutador nessa árdua tarefa que é a defesa do interesse público. O problema é que – à semelhança de todos os outros seres especiais, muito competentes e com elevado espírito de serviço público – também Rosalino só consegue ser tudo isso, se receber um salário principesco. Se for para receber apenas uns trocos – cerca de seis mil euros – todas essas maravilhosas qualidades e que só estas pessoas especiais apresentam, vão imediatamente por água abaixo.
Ai e tal, ele já está a ganhar muito mais no Banco de Portugal. Pois está. Mas esse é que é o pecado original. Rosalino – e todos os outros “Rosalinos” desta vida – nunca deveria ter sido contratado pelo Banco de Portugal, porque não é necessário, porque nada produz, porque se trata de um tacho e ponto final. Muito menos deveriam existir cargos públicos com esse nível de remuneração.
Com esta sofisma, o governo vai tentar desviar as atenções dos verdadeiros problemas do país, vai também conseguir avançar com o tacho – mais um – de secretário-geral do governo, como se isso fosse necessário e, muito provavelmente, já traçou o caminho para que Hélder Rosalino venha a ser o próximo governador do Banco de Portugal.
Há ainda o “pormenor” de que, caso Hélder Rosalino deixasse o cargo que ocupa no Banco de Portugal e fosse para o governo, o lugar deixado vazio no banco não seria preenchido por outra pessoa, pelo menos é o que sustenta o governo de Montenegro. Ora, isso só comprova que o lugar de Hélder Rosalino no Banco de Portugal é um tacho. Se fosse mesmo importante e necessário – tal como o valor do salário faz acreditar –, teria que ser substituído imediatamente por alguém. Mas não tem, porque o que realmente importa é manter o tacho da pessoa em causa e não as pretensas funções que desenvolve.
É também incrível o facto de praticamente todos os partidos da oposição se mostrarem agastados com este imbróglio, salientando que um suposto salário de 16 mil euros para o cargo de secretário-geral do governo é obsceno. No entanto, parecem não vislumbrar nada de obsceno no facto de esse mesmo valor ser pago a um consultor da mula ruça do Banco de Portugal.
Fumaça e mais fumaça, para encobrir a podridão que é este sistema de tachos e tachistas de carreira, criado pelos partidos do poder (PSD/CDS e PS), para colocar as instituições do Estado ao serviço dos seus interesses pessoais e dos interesses dos seus “amigos”.
Só não vê quem não quer ver.