A farsa continua
Passos Coelho e seus fiéis correligionários estão reunidos durante este fim-de-semana, na nave de Espinho, onde decorre o Congresso do PPD/PSD.
O mote da campanha de candidatura de Passos Coelho à liderança do seu partido foi “Social Democracia Sempre”, contudo, o que se pode ler (em letras garrafais) na parede de fundo da nave é “Compromisso Reformista”. Quer-me parecer que Passos Coelho conseguiu finalmente perceber que a social-democracia não é a sua praia.
Passos Coelho aparece neste congresso com uma nova semântica. Nota-se que também já conseguiu perceber que tão cedo não haverá eleições, coisa que ele não deseja nem nunca desejou. Todos sabemos que Passos Coelho quer “que se lixem as eleições”.
O que se pode dizer da “nova” estratégia de Passos e seus fiéis? Bem, apenas se pode inferir que a farsa continua. Passos continua agrilhoado à técnica do disfarce que ele tão bem domina. Vejamos, referiu-se ao actual governo e à maioria parlamentar que o sustenta com brandura, chegando mesmo a pronunciar-se em tom elogioso. E ainda aproveitou para atirar abraços fraternos e beijinhos muito docinhos a "Rebelo de Sousa". Disse que não vai instrumentalizar o Presidente da República, enquanto o fazia despudoradamente, chegando mesmo a alvitrar o que devem ser as funções presidenciais, como se isso não estivesse plasmado na Constituição. Ah pois! Às vezes eu esqueço-me que Passos Coelho desconhece a CRP. Disse que o Presidente da República deve desempenhar o seu cargo assumindo “identidade política”, para logo a seguir meter os pés pelas mãos e acrescentar que aquilo que acabara de dizer “não se prende com a figura de Rebelo de Sousa enquanto Presidente” mas sim “à ideia que temos do que é o Presidente da República enquanto instituição”. Ou seja, Marcelo enquanto Presidente da República não deve assumir identidade política, mas o Presidente da República enquanto instituição sim. Que finura de pensamento!
Só quem estiver muito distraído é que não percebe que Passos Coelho está a fazer o habitual número de circo, em que ele costuma vestir a mais que esburacada farpela de ironia saloia. Portanto, mais um congresso, mais do mesmo, dissimulação quanto baste, sarcasmo barato acompanhado de umas valentes doses de labreguice.
Resta-me, por último, salientar só mais um ponto que me parece ser digno de destaque e que, no fundo, corrobora tudo o que acabei de escrever. Passos Coelho lançou um repto aos seus adversários políticos, desafiando-os a aceitar rever a Lei Eleitoral. Ou seja, Passos Coelho desafia a nova maioria parlamentar (com pouco mais de 4 meses) a fazer aquilo que ele e a sua maioria não foram capazes, não quiseram e não se interessaram em fazer ao longo de uma inteira legislatura (4 anos). Toda a gente sabe que partidos como o BE e o PCP não estão interessados numa revisão da Lei Eleitoral, que seria penalizadora para a representatividade dos partidos mais pequenos. Portanto, lançar este desafio é uma tremenda idiotice, só aceitável no contexto de um congresso laranja. Será que é a única coisa de que se lembrou para tentar fissurar a actual maioria parlamentar? É muito pouco para o líder de um partido que se afirma como o maior de Portugal.
Passos Coelho não consegue ser diferente disto, foram muitos anos de jotice e muitas universidades de verão. Está-lhe no sangue. E, por isso, a farsa continua.
P.S. Falta fazer referência à pérola que Passos Coelho nos concedeu... Passos disse: "O Estado não deve negociar com privados". Bem podia ter acrescentado que "os privados é que devem fazer negócios à sombra do Estado", ou que "o Estado deve submeter-se sempre à vontade de privados e nunca negociar", ou ainda, que "com os privados, o Estado só deve negociar contrapartidas em forma de tacho para os amigos", tal como aconteceu na EDP (por exemplo) onde Passos Coelho e Maria Luís negociaram excelentes contrapartidas para Eduardo Catroga e António Albuquerque (marido da ex-ministra, cuja integridade é inquestionável).