A negligência médica deveria ser sempre televisada
Infelizmente constata-se que a esmagadora maioria das queixas apresentadas na Ordem dos Médicos resultam sempre em arquivamento, o mesmo só não acontece quando a alegada negligência é televisionada.
O mais recente caso mediático é o do bebé de Setúbal que nasceu com malformações graves, porque o médico garantiu que estava tudo bem, mesmo depois de ter sido questionado e alertado pelos pais, no seguimento daquilo que lhes foi transmitido noutra clínica. Entretanto, o Conselho Disciplinar da Ordem dos Médicos decidiu suspender preventivamente o médico. A propósito disso mesmo, o próprio bastonário da Ordem dos Médicos havia dito, há dias, que a Ordem iria actuar. O senhor bastonário disse ainda que a Ordem vai criar uma competência específica para ecografias na gravidez. Que bonito! Agora que têm os holofotes em cima fazem tudo e mais alguma coisa.
Veja-se, o médico em questão já tinha vários processos na Ordem dos Médicos, sendo que pelo menos um desses casos apresenta contornos muito semelhantes a este. E o que fez a Ordem dos Médicos em relação a isso? No caso da bebé Luana, que nasceu em 2011, sem queixo e com as pernas viradas ao contrário, o caso foi arquivado. Para a Ordem dos Médicos não houve negligência, nem lugar a sanções ou punições. O caso não foi mediatizado, não mobilizou a opinião pública e por conseguinte, não convenceu o Conselho Disciplinar.
Agora, como este caso se tornou mediático, a Ordem apressou-se a tomar decisões, para mostrar que está ali para alguma coisa.
Gostaria de perguntar a senhor bastonário por que razão a Ordem não actuou anteriormente, em relação aos casos que já tinha em mãos?
Pode dizer que havia processos disciplinares e/ou inquéritos em curso, porque como é hábito, quando se apresenta uma queixa contra um médico, normalmente, a Ordem dá início a um processo disciplinar que, normalmente é arquivado sem que o médico em questão seja alvo de qualquer punição, pois claro. A coisa começa logo mal na raiz, isto é, nunca deveria competir à Ordem dos Médicos avaliar as queixas apresentadas contra os seus profissionais. Sim, porque quando alguém apresenta uma reclamação (no Livro de Reclamações) contra um médico, ela é enviada para a respectiva Ordem, para apreciação. Está errado. Deveria ser uma entidade independente a fazê-lo. Isto é o mesmo que ter o Pinto da Costa ou o Luís Filipe Vieira a arbitrar um jogo entre o Benfica e o Porto.
Podem dizer que as pessoas podem sempre apresentar a queixa no Ministério Público, mas a verdade é que o desfecho dos casos apresentados nesta entidade não muda muito de figura, sendo que a maioria das pessoas não têm condições para seguirem com um processo-crime contra quem quer que seja, muito menos contra médicos que, como se sabe, são uma classe superprotegida e a quem raramente são aplicadas qualquer tipo de sanções.
Gostaria ainda de desafiar a Ordem dos Médicos a apresentar dados concretos sobre todas as queixas apresentadas contra os seus profissionais e quais os desfechos das mesmas. Posso desde já adiantar-me a adivinhar que mais de 99% das mesmas foram arquivadas. Se calhar é porque as pessoas que apresentam queixa nunca têm razão. Deve ser isso, deve. Como se os portugueses fossem de reclamar muito e sem razão, especialmente no que aos senhores doutores diz respeito. Todos sabemos que a maioria das pessoas não reclama dos médicos, mesmo quando têm graves motivos para o fazer. É também por isso que a classe sempre viveu e vive em constante impunidade e acobertada por uma Ordem que, na verdade, não sabe defender os seus profissionais, porque a única forma de defender os profissionais de uma classe é quando se separa o trigo do joio, quando se pune ou elimina aqueles que conspurcam a classe.
Imaginem qual seria a actuação da Ordem dos Médicos, neste caso concreto, se o mesmo não fosse mediatizado pelos órgãos de comunicação social.
Pois… É isso…