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Contrário

oposto | discordante | inverso | reverso | avesso | antagónico | contra | vice-versa

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RAPIDINHA

Diz o gajo que proibiu o exercício da actividade política a vários partidos da oposição e que cancelou a realização de eleições no seu país.

Animais não são coisas

A propósito dos projectos de lei apresentados na Assembleia da República, que visam alterar o estatuto jurídico dos animais e incrementar as sanções a todos quantos pratiquem maus-tratos, decidi acrescentar algum pensamento ao debate. Não, os animais não são coisas. E o agravamento das sanções sobre todos os que lhes inflijam maus-tratos é algo que deveria encher de orgulho qualquer pessoa de bem.

 

Aqueles que acham que o Homem é um ser superior aos demais animais que coabitam o planeta Terra, geralmente, são os mesmos que defendem que dentro da própria espécie humana também uns são mais importantes que outros e, por essa razão, devem ser alvo de tratamento diferenciado. A mediocridade de pensamento de alguns leva-os também a argumentar sobre os desfavorecidos, os pobres, os refugiados e as crianças indefesas quando são confrontados com manifestações de afecto e de defesa dos direitos dos animais. Isto leva-me a colocar-lhes já algumas questões: Qual o problema em aumentar as penas para quem maltratar um animal de forma gratuita? Qual o problema em aproximar ou igualar as penas para quem atentar contra a integridade física de uma pessoa ou de um animal? A mim não me choca nadinha que se puna da mesma maneira todos quantos não sabem viver em comunhão e respeito pelo meio envolvente (pessoas, animais e meio-ambiente). Esse meio é composto não apenas por seres humanos e, acima de tudo, a Natureza não lhes pertence em exclusividade. O que leva um ser humano a pensar que tem mais direitos que um animal, no que diz respeito à preservação da sua integridade física, liberdade e observância da moral?

 

A decência do ser humano reside precisamente na forma como este trata os animais. Ou, como disse Gandhi, “a grandeza de uma nação [eu salientaria, “de uma pessoa”] pode ser julgada pela forma como os seus animais são tratados”.

 

Outra questão que importa fazer aos incomodados com o debate sobre os direitos dos animais é: Em que medida a luta pela salvaguarda dos direitos dos animais e do incremento do seu estatuto jurídico colide com o respeito pelo ser humano? Talvez encontremos a resposta mais à frente…

 

Regra geral, os que se sentem incomodados com a crescente e alegada “adoração” que alguns seres humanos têm para com os animais, são os mesmos que nunca souberam o significado de amar, nem mesmo uma pessoa. Por que razão o amor de um ser humano por um animal deve ser posto em causa, criticado e desprezado? Esses incomodados são objectores do amor. Haverá alguma forma de amor passível de merecer desprezo? Bem, talvez o amor ao dinheiro, algo que certamente não perturba a rarescente consciência da maioria desses importunados. Esses críticos são os mesmos que insistentemente dividem a sociedade, menosprezando todos os que manifestam amor pelos animais, todos os que lutam pelos seus direitos chegando a considerá-los como uns bandidos que não gostam de pessoas. A esses críticos eu respondo dizendo: pobre das suas almas que nunca souberam o que é amar um animal e, como tal, jamais conseguirão amar um semelhante.

 

A real subversão de valores reside, antes, nas pessoas que não aceitam esta mudança de paradigma, que não é mais do que um sinal de evolução das sociedades, sendo que são eles que, não só não respeitam os animais não-humanos, como também não respeitam as pessoas que pensam de forma diferente e o ser humano em geral. Encontram-se no primeiro estágio que os levará também até ao ponto em que não serão capazes de gostar de ninguém, nem deles próprios.

 

Repare-se, independentemente da opinião de cada um sobre este assunto, que mal traz ao mundo uma legislação mais severa contra todos aqueles que pratiquem maus-tratos a animais? Nenhuma lei que demonstre rigor na defesa dos direitos, quer dos seres humanos quer dos restantes animais ou meio-ambiente deve ser objecto de desconfiança, muito menos sentida como uma agressão à cidadania.

 

Se notar bem, aqueles que se mostram vincadamente contra os projectos de lei do PS, BE e PAN são os que não raras vezes apoiam e aprovam legislação contrária ao bem-estar de todos nós, os humanos. A esses não reconheço nenhuma autoridade moral para o que quer que seja, apenas constato (sem surpresa) e lamento a sua bolorenta hipocrisia.

 

Há muito a alterar nos Códigos Civil e Penal, de facto. Qual a lógica em, por exemplo, condenar à morte um cão que feriu uma pessoa, muitas vezes sem gravidade, e em que o principal culpado é o respectivo detentor legal (pelo menos nos casos em que existe dono) e, por outro lado, um indivíduo que assassina o próprio filho recém-nascido com uma faca no coração ou o abandona num caixote do lixo para morrer, incorrer numa pena que, na pior das hipóteses, poderá atingir os 25 anos de prisão? É urgente alterar o estatuto jurídico dos animais, agravar as sanções sobre os que lhes inflijam maus-tratos e, acima de tudo, fazer cumprir lei. E não apenas para os animais de companhia que possuem detentor legal.

 

Apertando um pouco mais a minha visão sobre este assunto, e já sei que algumas virgens púdicas se vão chocar com o que vou escrever, devo salientar que nutro muito mais respeito, consideração e preocupação pelos animais do que por muitas pessoas. Sim, é verdade. Espantados? Só quem vive alheado da realidade é que pode estranhar este facto. Contudo, não posso deixar de reconhecer e aceitar que essas desprezíveis pessoas tenham os mesmos direitos que os demais cidadãos. Note-se que são os próprios seres humanos os piores inimigos da sua espécie e, sem surpresa, dos restantes animais e meio-ambiente. Como poderei eu não gostar mais de um animal do que dessas pessoas? Posso até dizer que me revejo totalmente naquela frase que diz que “quanto mais conheço as pessoas mais gosto dos animais”. Felizmente, ainda há muito boa gente por aí.

 

Quero ainda retrucar a esses idiotas que trazem para esta discussão, os maus-tratos e a suposta violência que o ser humano exerce sobre moscas, melgas e mosquitos, tentando estabelecer paralelismos absurdos, chegando a comparar um cão a uma mosca ou uma barata. Algumas pessoas conseguem demonstrar, todos os dias, que a imbecilidade é uma coisa infinita. Bem, chegados a este ponto fica difícil manter uma discussão inteligente e profícua sobre a matéria. Comparar uma barata com um cão é estúpido. As diferenças são tantas que estar aqui a mencioná-las tornaria este texto ainda maior. Basta por exemplo pensar que, se se arrancar uma pata a uma barata ela continuará a andar e a manter as suas rotinas de vida, agora pense o que sentirá um cão se lhe arrancar uma perna. Pode não ser o melhor exemplo, mas certamente que dá para perceber que o sofrimento do cão é, em tudo, semelhante, ao do ser humano. E em tudo diferente ao da barata.

 

Apetece-me ainda trazer à colação o que dizem os caçadores e os toureiros sobre este assunto. Sem surpresa, são dos primeiros a enfileirar-se contra os conhecidos projectos de lei. O que surpreende é que teimam em assumir-se como amantes dos animais e da Natureza. De facto, não há melhor exemplo de amor pelos animais e pela Natureza, do que alguém que adora embrenhar-se na floresta com uma caçadeira na mão. Realmente, amor como este só é superado pela explosiva paixão entre judeus e palestinianos.

 

E depois há as touradas, claro. Os toureadores também já demonstraram o seu descontentamento, pois já perceberam que o fim das touradas também está na mira. Estes também alegam que são amantes dos animais e da Natureza. Alguns até dizem que ninguém ama mais os touros do que eles. Levar com bandarilhas no cachaço é o passatempo preferido de qualquer touro. Gostaria de perguntar a esta classe de bostas, onde está a dignidade de um ser humano que sente prazer em massacrar um touro? Tudo isto para gáudio dos outros bostas que assistem ao degradante espectáculo em que, saliente-se, o touro se apresenta propositadamente debilitado. E ainda há aqueles que defendem as touradas porque é uma tradição. É, de facto, uma tradição. Uma tradição estúpida e irracional.

 

Estas manifestações de imbecilidade só me dão vontade de ir ainda mais além, resumindo a minha postura perante esta pérfida sociedade numa pessoal formulação filosófica que diz o seguinte:

 

“A principal diferença entre os animais e as pessoas é que todos os animais são de boa índole”.

 

Quem sente prazer na tortura e/ou na morte de um animal tende, velozmente, para sentir o mesmo em relação aos humanos. É uma obrigação dos seres humanos proteger os animais de actos cruéis. Como é possível um ser humano sentir prazer com o sofrimento infligido de forma gratuita a um animal? Podia enveredar pela forma como os animais são mortos nos matadouros, ou até mesmo em casa, para consumo. Podia e devia questionar também a forma como são tratados durante as suas vidas, cada vez mais curtas. Mas isso daria pano para mangas, fica, contudo, a ressalva de que também nisto há muito de errado, de irracional e que urge mudar.

 

Afinal onde reside a diferença entre humanos e não humanos, no que respeita à violência e maus-tratos? Maltratar um ser humano está errado porquê? Porque ele tem sentimentos e é fisicamente sensível à violência? Ou será apenas por se tratar de um animal racional? Parece-me evidente que não é por ser racional e, tal como os humanos, também os animais são seres sensíveis aos maus-tratos e às barbáries que se lhes acometem. Insensível é todo aquele que não consegue compreender isso e/ou consegue tirar prazer do sofrimento de um animal. É o sofrimento que está em causa e não a racionalidade. E nessa matéria, seres humanos e muitos dos não-humanos sofrem da mesma forma perante a violência. Caso contrário, tal como dizia Bentham (séc. XVIII), os bebés e os incapacitados mentais teriam também de ser tratados como coisas, já que têm a sua capacidade de raciocínio muito limitada.

 

Realmente, volvidos que estão vários séculos de pensamento sobre esta matéria e somos obrigados a reconhecer que uma significante e preocupante parcela do Homem moderno é, cada vez mais, um bando de boçais insensíveis com tiques de superioridade moral.