Coitadinhos dos políticos, que ganham tão pouco...
Na passada semana, o Chega colocou umas faixas no edifício da Assembleia da República (AR) a chamar a atenção para o facto de alguns partidos políticos pretenderem “aumentar” os salários dos seus representantes em funções, em 5%.
A esmagadora maioria dos deputados da AR (sobretudo os do PSD, do PS e do CDS), bem como os membros do governo desataram a cuspir línguas de fogo contra o protesto do Chega. E, logo de seguida, como é hábito, a comunicação social em peso, principalmente através do seu painel de comentadores apaniguados e escolhidos a dedo, também caíram em cima do Chega e do André Ventura.
E o que alega toda esta gentinha? Primeiro, que a forma do protesto é inaceitável e até mesmo criminosa. Depois, dizem que não se trata de um aumento, mas sim da reposição de um corte que vem dos tempos da troika. Ainda acusam André Ventura e restantes deputados do Chega de serem uns hipócritas, alegando que se não querem a restituição de 5% do salário têm bom remédio, ou seja, que não o aceitem. Ignorando o facto (ou fazendo-se de burros) de que o Chega não pode recusar o recebimento desse valor. Aquilo que pode fazer é doar esse valor, mas só depois de o receber, obviamente. Já agora, eu gostaria de saber se os senhores do PSD e do CDS continuam a ir trabalhar (trabalhar é como quem diz...) nos feriados de 5 de Outubro e de 1 de Dezembro. É que, se bem me lembro, eles votaram contra a restituição desses dois feriados.
Há ainda quem refira que o Chega só está interessado em gerar mais polémicas e fazer palhaçada política.
E, como também é já um clássico, tudo aquilo que é proferido pelos “políticos moderados do centro” - aqueles que querem abocanhar mais 5% no final do mês - e martelado pelos seus apaniguados na comunicação social, torna-se um mantra que consegue convencer a esmagadora maioria das pessoas, que desataram a enraivecer-se contra o Chega, como se os problemas decorrentes da má governação do país fossem culpa do Chega. Como bem se pode ver, o protesto do Chega acabou por sair favorável aos políticos que defendem a restituição dos 5% - porque isso vai acontecer sem que as pessoas se revoltem contra essa injustiça, preferindo revoltar-se contra o Chega.
Portanto, chegamos ao ponto essencial da questão que, uma vez mais, passou ao lado da maioria dos cidadãos, que se deixa adormecer pelo que ouve, vê e lê na comunicação social.
Vejamos as coisas como elas são. Primeiro, a forma do protesto. Se a forma como o protesto foi efectuado constitui uma ilegalidade, é muito simples, que se haja em conformidade com a lei e ponto final. Segundo, se o protesto do Chega de André Ventura é efectuado com a intenção de gerar confusão e palhaçada política pouco importa para o caso. A questão essencial é a de avaliar se o protesto faz sentido. Se há razão substancial para isso. Ou seja, aquilo que mais deveria importar às pessoas é verificar se acham que a reposição de 5% do salário deve acontecer. Se acham que isso é justo, face à situação financeira da esmagadora maioria dos portugueses.
Só para que se tenha a noção: uma pensão de 300 euros vai ter um aumento de 11,55 euros; uma pensão de 400 euros terá um aumento de 15,40 euros; uma pensão de 500 euros terá um aumento de 19,25 euros; uma pensão de 1.000 euros terá um aumento de 38,50 euros; mas os senhores deputados que auferem um salário de 4.096,99 euros vão passar a receber mais 204,85 euros. Isto, sem contar com o acréscimo que recebem em despesas de deslocação, despesas de representação e mais uma série de conezias que a esmagadora maioria dos cidadãos portugueses não tem.
Portanto, é isto que realmente importa discutir, mas que os políticos do sistema e a sua concubinada comunicação social tentam encobrir, desviando o assunto para as palhaçadas do Chega.
A mim, pouco me importa se é o Chega ou outro partido a levantar a questão. Eu não formulo as minhas opiniões nem exerço o meu raciocínio em função das pessoas que praticam determinadas acções ou defendem determinadas ideias. Eu foco-me nas ideias e nos factos e tento “julgar” segundo a minha consciência, que está sempre orientada para o fundamental princípio da justiça social. Aliás, eu próprio salientei esta questão da restituição dos 5% aqui no blog, ainda antes de o Chega se pronunciar sobre o assunto. O que verdadeiramente importa é analisar a questão pelo prisma que ela deve ser avaliada. Quem acha justo esta restituição, numa altura em que milhões de portugueses vivem a contar tostões? Não interessa se é um aumento ou uma restituição. Interessa apenas o que é factual, o que acontece na realidade. E a realidade é demasiado cruel para ser verdade, isto é, os políticos que auferem salários na ordem dos 4.000 euros defendem que devem passar a receber mais 200 euros já a partir de Janeiro de 2025. Mas os reformados, sobretudo os que têm pensões mais baixas, só devem receber mais uma ou duas dúzias de euros. Pior ainda, os partidos que propuseram a restituição dos 5% para eles próprios, são os mesmos que defendiam um aumento de apenas 2,6% para as reformas mais baixas (valor que aumentou para 3,85%, contra a sua vontade). Isto é que é um escândalo. Isto é que palhaçada política. Isto é que é acentuar as desigualdades. Isto é que é um crime.
Falei apenas das reformas mais baixas, mas poderia falar também dos salários mais baixos. Por exemplo, o Salário Mínimo Nacional terá um aumento que é quatro vezes inferior ao valor que os senhores políticos vão receber a mais, já em Janeiro. Repito, pouco importa se é uma restituição ou se é um aumento. O que deve saltar à vista de todos e que deve indignar cada um de nós é a abissal diferença salarial entre a classe política e a esmagadora maioria da classe trabalhadora. Chama-se a isto: profunda desigualdade social.
Para emporcalhar ainda mais este chiqueiro, veio o Ministério Público anunciar que abriu uma investigação ao protesto do Chega. E, notem bem, a PGR (desde que foi nomeado o novo Procurador-geral, não se cansa de falar para as câmaras e para os microfones mediáticos) fez saber que deu início à abertura de um inquérito porque – pasmem-se ou não – recebeu uma queixa anónima. Portanto, o Ministério Público vai actuar porque recebeu uma queixa anónima. O facto de o caso ter passado incessantemente na comunicação social não foi suficientemente apelativo para o Ministério Público. Se não houvesse queixa anónima, o Ministério Público não abriria um processo de investigação? E, aqui que ninguém nos ouve: o que é que há para investigar? Como referi logo no início deste texto, ou é crime ou não é crime e ponto final. Não há nada para investigar. Há apenas que agir segundo o estrito cumprimento da lei.
É assim que funcionam o poder político e o poder judicial em Portugal. E depois ainda se admiram que o Chega tenha 50 deputados. A verdade é que os "moderados do centro" (PSD/CDS e PS) preferem 50 cadeiras do Chega no Parlamento, do que 50 cadeiras do PCP ou do BE. Porque será?