Covid: parece que o problema está em coabitar
Marcelo Rebelo de Sousa disse, ontem, no final da reunião no Infarmed, que os principais factores que originaram os actuais surtos de Covid-19 são a coabitação e a convivência social. Disse também que há um estudo que “parece” sugerir que não há relação entre o aumento de casos e o uso dos transportes públicos.
Quão estapafúrdio é ouvir da boca dos principais responsáveis políticos, neste caso, da boca do senhor Presidente da República, que a coabitação é uma das causas que levam ao aumento de casos?
Ora vamos lá ver se a gente se entende. A probabilidade de contágio dentro das habitações é, de facto, a mais elevada possível, mas só quando há alguém infectado, caso contrário é nula. É evidente que o sítio onde todas as pessoas tendem a cumprir menos as regras de protecção e distanciamento é dentro das suas próprias casas. No entanto, o vírus só entra dentro das casas das pessoas se alguém o transportar consigo. Como toda a gente se lembra, em Março e Abril, a solução para travar os surtos de contágio foi… lembram-se? Pois claro. Foi o confinamento. E onde raio as pessoas foram se lembrar de confinar? Olha, parece que foi nas suas casinhas. E o que aconteceu à curva pandémica? Olha, achatou, a bandida. Com o desconfinamento, as pessoas saíram de casa e voltaram a estar em contacto com o vírus. Naturalmente que as pessoas que são responsáveis e que não tenham o azar de se cruzar e/ou ter de conviver com gente irresponsável, terão menor probabilidade de regressar a casa com o bicho.
Portanto, não é a coabitação que causa os surtos, mas sim o desconfinamento, mais concretamente o desconfinamento desregrado.
São as festas Covid e os ajuntamentos de jovens? São o amontoar de pessoas nos transportes públicos? É o facto de as pessoas terem retomado as suas rotinas de trabalho?
Sim. É tudo isto junto. Contudo, não será muito difícil adivinhar que é nos ajuntamentos, onde não se cumpre as regras de distanciamento nem se usa máscara que o risco de contágio é muito maior. E são essas pessoas que depois vão para casa contagiar os familiares com quem vivem que, por sua vez, se tornam em novos agentes de contágio nos mais diversos locais por onde circulam, porque já não estamos confinados. As famosas cadeias de contágio.
O Presidente da República não tem razão quando aponta o dedo à coabitação, até porque é praticamente impossível, à maioria das pessoas, evitar o contágio dentro de portas, sobretudo quando não se sabe se se é portador do vírus. Por outro lado, Marcelo tem razão quando refere a convivência social. É óbvio que é aqui que reside o maior perigo, porque não há distanciamento nem uso de máscara. Mas, não terá sido ele (Marcelo) um dos maiores promotores dessa realidade? Não foi ele que incentivou e continua a incentivar as pessoas a saírem de casa, para ir à praia, às livrarias, aos restaurantes, às esplanadas, aos concertos e, mais recentemente, até apelou para que todos os portugueses rumem ao Algarve neste Verão? Por onde circulam e continuarão a circular milhares de jovens estudantes estrangeiros, desprovidos de quaisquer cuidados e preocupações com a propagação da doença.
Voltamos sempre ao ponto essencial desta pandemia. Não é possível conter a propagação do vírus e andar por aí como se ele não já não existisse.
Ou armamo-nos em Bolsonaro e não fazemos caso da pandemia, a bem da economia, ou então voltamos a apertar o cerco com mais medidas restritivas. O que não é politicamente aceitável é querer acreditar que um “portem-se bem meninos” seja simultaneamente suficiente para salvar a economia e preservar a saúde das pessoas.