Ensino público vs Ensino privado
Dizem por aí as gentes de direita, que os contratos de associação do Estado com as escolas e colégios privados (contratos realizados pelos neoliberais Passos e Portas) servem para colmatar as lacunas que o próprio Estado tem em prestar um dos seus serviços fundamentais, a Educação. Pior ainda. Têm o descaramento de afirmar que não são uma forma de financiamento ao sector privado. É preciso ter muita lata! E essa gente tem. Essa gente que é capaz de garantir que Passos, enquanto primeiro-ministro, nunca participou numa cerimónia de inauguração. É claro que se trata de puro financiamento ao sector privado. Esses contratos são altamente lesivos para o Estado português e colocam em causa a qualidade do sistema de ensino e o acesso justo e equitativo por parte das famílias portuguesas.
Aliás, estes contratos de chuchadeira serviram apenas para dar continuidade à proliferação indiscriminada de inúmeras instituições de ensino privado que beneficiam de avultados apoios financeiros do Estado que, por sua vez, deixou de investir como devia no ensino público, degradando-o desmesuradamente e, assim, justificar a mamadura concedida aos amigos do privado. O que os governos de direita tentaram fazer (e estavam bem lançados para o conseguir) foi assassinar o Ensino Público em Portugal, tal como fizeram no sector da saúde. Aliás, estes dois sectores-chave para a vida dos portugueses foram os principais eleitos pela maioria de direita, para os quais direccionaram a sua especial arte em depravar. Nunca se viu tantas escolas, colégios e unidades de saúde privadas a abrirem por todo o país. E tudo isso em tempos de crise. Certamente que Passos Coelho não foi a nenhuma dessas inaugurações.
Voltando apenas à Educação, muitos professores que estavam adstritos ao sistema de ensino público foram empurrados para o desemprego e agora se quiserem leccionar terão que aceitar as míseras condições que os privados lhe oferecem. Ou seja, neste momento, temos o privado a crescer abruptamente às custas do Estado que, por sua vez, destruiu o sector público em benefício das muitas instituições privadas de ensino (todas elas estreitamente ligadas a governantes nacionais, regionais e locais). O Estado ainda lhes fez o favor de lhes conceder subsídios para a construção das escolas, pagar por cada aluno que lá se inscreve (na maioria dos casos, com acesso restrito e sujeitos a condições especiais de entrada, vulgo, guito) e ainda oferecer-lhes de bandeja os professores que formou, para que estes sirvam os senhores do privado em condições altamente indignas e exploratórias. Foi isto o que a direita fez no ensino em Portugal. Viva os neoliberais! Viva o capitalismo! Especialmente este tipo de capitalismo que não precisa do Estado para nada, como bem se pode ver.
Querem oferta privada no ensino? Força. Querem concorrência no ensino? Acho muito bem, não tenho nada contra. Mas façam-no com o vosso dinheiro, não com o do Estado, que é dos contribuintes. O Estado já tem uma rede de ensino pública, que já foi muito boa e que apesar de todos os esforços desta ultrajante direita, ainda é de boa qualidade. No geral, bem melhor do que o privado, ao contrário do que muitos querem fazer acreditar. É aquela velha ideia que diz que "uma mentira repetida muitas vezes acaba por se tornar verdade". A direita é, sempre foi, fiel seguidora deste básico e entorpecido pensamento.
Ao longo da minha vida de estudante, desde o ensino básico até ao ensino superior, frequentei várias instituições de ensino, todas elas públicas Graças a Deus. Foi notório, em todas as fases, as diferenças existentes entre sector público e privado. O sector privado sempre foi facilitista, em que a única regra que restringia o acesso era mesmo a situação financeira dos papás de todos quantos acabavam por recorrer a estas instituições. As reais diferenças entre os dois sectores sempre se prenderam com a qualidade. Não, não estou a referir-me às características físicas das escolas e colégios privados, mas sim à qualidade real do ensino, à aprendizagem. E é isto que verdadeiramente importa. O ensino público sempre foi mais exigente e melhor a formar que o privado. Constatei as principais e preocupantes diferenças já na fase do ensino superior, onde verifiquei que a vários colegas que frequentavam o mesmo curso que eu, mas em instituições privadas não lhes era exigido o mesmo nível de conhecimento para concluir com sucesso as respectivas disciplinas. Lembro-me até que, nalguns casos, os professores eram os mesmos (quer no público quer no privado), os próprios programas eram idênticos, contudo o nível de exigência nas faculdades privadas era muito menor. Os meus colegas das privadas não tinham que aprofundar os conteúdos programáticos na mesma medida que nós, os que frequentávamos as faculdades públicas. Até a forma de avaliação era diferente. E, no final, o título académico adquirido era o mesmo. Mas havia uma grande e importante diferença, que era a instituição que emitia o diploma. Ou seja, ser-se licenciado em Economia pela Faculdade de Economia não era a mesma coisa que ser-se licenciado em Economia numa Moderna qualquer, Lusófona ou Fernando Pessoa, por exemplo.
Mas agora, querem fazer-nos acreditar que o privado é que é bom. Querem subverter a realidade. Será pelo facto de muita desta gentinha ter “comprado” os seus cursos em privadas? E, por isso, temos vindo a assistir a uma mega campanha da direita em endeusar o sistema de ensino privado, que mantém muita gentinha das máquinas partidárias nas suas estruturas (corpo docente, cargos de direcção, conselhos pedagógicos, etc.). A comunicação social também dá uma ajudinha a todo este circo que, ao que parece, terá os dias contados. É claro que se trata de uma questão ideológica. Mas por que raio sectores tão importantes para a vida em sociedade, como é o caso da Educação e da Saúde, não deveriam ser enquadrados nas ideologias políticas? O importante é que cada um tenha a coragem de assumir ao que vem. A direita sempre quis destruir os sistemas de ensino e de saúde públicos em detrimento do sector privado, que tanto tem fomentado com dinheiros públicos. Já a esquerda entende que estas funções competem essencialmente (mas não exclusivamente) ao Estado, e que este deve preocupar-se em melhorar a qualidade nestes serviços e responsabilizar-se por construir modelos nestas áreas.
O Estado deve também garantir condições de acesso a estes serviços de uma forma mais justa e equitativa, algo para o qual a direita só tem obstaculizado. Voltando à questão ideológica, para a direita, o Estado não deve assumir o papel de ser o garante destes dois importantes pilares da sociedade: Educação e Saúde. Para a direita, o Estado deve abrir o mercado o mais possível ao sector privado, se possível, entregar-lhes essa tarefa e ainda lhes pagar por isso. Portanto, a direita não quer a intromissão do Estado, mas quer o seu financiamento. Que ideologia é esta?
E agora, assistimos às micro-manifestações por parte dos “tachados” do sector privado que começam a ver a mamadura do financiamento público com os dias contados. Reparem, se as instituições privadas são assim tão boas e se têm tanta procura, por que razão está esta gente tão preocupada? Teremos o mercado a funcionar em sistema concorrencial, ou não? Não é isso que pretendem? Vemos também os papás que pretendem escolher as “melhores” escolas para os seus meninos, mas que não querem desembolsar mais por isso. Muito menos aceitar que os seus filhos tenham que partilhar a mesma sala de aula com um pobretanas qualquer, um cigano, ou qualquer outro aluno com difíceis condições financeiras. Esta gentinha que se farta de defender a iniciativa privada quer que seja eu e todos os outros contribuintes a pagar por um ensino de “suposta qualidade superior” (que como já evidenciei é falseada) a que só os filhinhos deles têm acesso. De facto, há alguma qualidade, as instalações são boas, as notas também são, aliás, a garantia de boas notas é um dado adquirido, mesmo que os filhinhos sejam que nem portas. Porque é assim que funciona no privado. O dinheiro é o garante.
Mas eu ainda estou à espera que me comprovem onde é que o privado evidencia um leque de oferta para além daquilo que o Estado já providencia.
Mas, partamos do princípio de que as escolas e colégios privados até são verdadeiramente melhores. Onde é que está a garantia da igualdade no acesso a essas instituições? Li, ainda há pouco, num texto desses comentadores de facção, desses que escrevem o que lhes pagam para escrever, que o dito indivíduo, enquanto pai, deseja ter a possibilidade de escolher entre a oferta (pública e privada) existente na sua área de residência. O indivíduo, que pelos vistos se acha acima dos demais concidadãos, deseja poder escolher a melhor opção de ensino para as suas magníficas princesas. Diz ele que paga impostos para que o Estado preste a melhor educação possível às suas filhas, mas no final, pasmem-se, optou por uma escola privada. Portanto, ele quer que seja o Estado a garantir a boa educação das suas filhinhas, mas que lhe garanta no privado, nem que à custa disso milhares de outros príncipes e princesas de muitas famílias (que também pagam impostos) com baixos recursos financeiros não possam gozar do mesmo direito de escolha. E ainda se atreveu a acrescentar sem peias, que paga as respectivas mensalidades por cada uma das suas princesas. Este é o verdadeiro e impudico pensamento desta gentinha de direita. O que eles se esquecem é que a mensalidade que está a pagar está fortemente desagravada pela substancial parte que é financiada pelo Estado que, desta forma, fica impedido de financiar devidamente as escolas públicas, onde todos quantos não têm condições para aceder ao privado se vêm a braços com a baixa da qualidade de um ensino que sempre foi a melhor oferta. Portanto, onde é que fica a garantia do direito de acesso igualitário ao melhor ensino, no meio de tudo isto?
Outra coisa que importa esclarecer. Muitos Passos Coelhos e Marques Mendes da nossa praça apressaram-se, como é hábito, a deturpar a realidade das coisas, dizendo que o actual governo não pode quebrar os contratos que foram assumidos pelo anterior governo. A verdade é que nenhum dos contratos de associação celebrados pelo anterior governo foram, por enquanto, postos em causa. Esses contratos têm uma duração de três anos e deverão ser cumpridos. O que está em cima da mesa é a não continuidade, ou melhor, a não renovação desses contratos, ou para ser ainda mais exacto, a não renovação da totalidade desses contratos a partir de 2018. Este governo pretende, e bem, celebrar contratos de associação apenas onde a oferta pública não é suficiente e não garante a igualdade no acesso à educação. E é assim que tem de ser. O Estado só deve apoiar um privado a prestar um serviço público quando não tem condições para o fazer, ou quando é mais fácil e mais barato fazê-lo por intermédio de um parceiro privado, que esteja em condições de garantir o mesmo nível de qualidade que a escola pública.