Este governo tem uma incompatibilidade com a verdade
O governo procedeu à entrega do Orçamento do Estado na Assembleia da República com a habitual pompa e circunstância. Entretanto, já foram anunciadas as principais medidas e já deu para perceber que, no contexto económico actual, a esmagadora maioria dos portugueses vai perder rendimento e poder de compra no próximo ano, algo que já vem acontecendo ao longo dos últimos meses.
Mas o governo - com António Costa à cabeça - tem uma especial queda para a encenação e para a mentira. Aquilo que não se percebe é a razão pela qual a comunicação social, com todo o vasto rol de comentadores atrelados, não cai em cima dos governantes e os confronta com a realidade, com a verdade. Não. A comunicação social alinha com a narrativa falaciosa do governo e, assim, contribui para a formação da opinião pública que, como sempre, segue os seus ditames.
Verifiquemos, então, algumas das trapaças que o governo tem martelado nos últimos dias na comunicação social.
Primeiro, o mito da dívida pública. O governo alega que é preciso governar com cautela e, por essa razão, está a trabalhar com almofadas financeiras para fazer face a eventualidades indesejadas. A verdade é que o governo está a salvaguardar valores que são cerca do dobro daquilo que a UE exige, ou seja, o governo tem metas de redução de dívida pública que representam mais do dobro daquilo que é exigido pela UE. Em tempos de vacas gordas para os cidadãos (que eu nunca conheci) até se compreenderia a atitude do governo em querer exercer uma certa austeridade, mas a realidade demonstra que não há nenhuma necessidade de o fazer neste momento tão difícil para os cidadãos.
Além disso, o passado demonstra-nos claramente que não foi a questão do valor das dívidas soberanas que colocaram os países em situação de resgate financeiro, mas sim a fragilidade dos seus sistemas bancários, algumas deficiências das suas estruturas produtivas, a exposição ao exterior, etc. As contas públicas dos países intervencionados no passado não constituíram a principal razão para a implementação dos resgates financeiros.
Outro argumento falacioso usado pelo governo é da eventual espiral inflacionista. Mais um mito. O governo alega que se os salários e as pensões fossem aumentados num valor superior (igual à inflação) corre-se o risco de uma espiral inflacionista. Ora, as leis da economia dizem-nos precisamente o contrário, isto é, que se aumentarmos os salários em linha com a inflação mais o crescimento económico verificado, dificilmente haverá lugar a uma espiral inflacionista.
Incrível como o governo parece não perceber sequer as bases da teoria económica, ou então faz que não entende e agarra-se a uma série de jargões para apenas levar avante aquilo que são as suas crenças ideológicas.
A verdade é que com a diminuição real dos salários e das pensões, e consequente perda do poder de compra teremos obrigatoriamente uma redução da procura interna, algo que para uma economia como a portuguesa é, regra geral, um acto suicida. Note-se que a crise inflacionista é global e que isso se traduzirá numa redução da procura internacional pelos bens e serviços nacionais, sobretudo na área do turismo, que muito tem sustentado o equilíbrio da economia nacional. Portanto, temos um cenário perfeito para a ocorrência de uma recessão económica – aquela que o governo nega a pé juntos que irá acontecer, e que quando acontecer vai ser justificada como algo que caiu do céu e que ninguém poderia prever. O governo continua a garantir que não haverá recessão em Portugal e duvida que a mesma atinja a economia europeia.
Falemos ainda de mais uma tremenda mentira repetida até à exaustão, quer por António Costa, quer pelo seu benjamim Fernando Medina. Ambos sustentam que nenhum português perderá poder de compra no ano de 2023. Uma vez mais o governo desconhece um conceito básico de economia. Em termos muito básicos, o poder de compra é definido pela quantidade de bens e serviços que se podem adquirir por um determinado montante de dinheiro. Qualquer português – mesmo que seja analfabeto - já percebeu (e 2023 ainda nem sequer chegou) que tem vindo a perder significativamente poder de compra. E como os aumentos definidos pelo governo estão bastante abaixo da inflação, o poder de compra dos portugueses, em 2023, continuará a diminuir. É uma verdade tão irrefutável, que não se compreende como é que os governantes não são desmentidos na comunicação social. Pior que isso, a comunicação social estende-lhes a passadeira todos os dias, para que possam cristalizar a sua narrativa de mentiras e trapaças.
A verdade é que os funcionários públicos vão perder poder de compra, os pensionistas e a maioria da classe trabalhadora do sector privado também. Os aumentos que o governo vai fazer no sector público são significativamente abaixo do valor da inflação. E o ministro das finanças até chegou a referir que o Estado tinha que fazer a sua parte (em relação aos aumentos), que tinha que dar o exemplo, sabendo de antemão que o sector privado costuma seguir aquilo que é feito no sector público ou até mesmo abaixo, excepto quando se trata do valor do salário mínimo. Portanto, o sinal que o governo dá aos privados é o de que devem promover aumentos que não considerem o nível de inflação, nem o nível de produtividade e crescimento económico, o que resultará numa perda muito significativa do poder de compra dos cidadãos, poder de compra que, na maioria dos casos, já vinha a decair há bastante tempo. Portanto, bem pode pregar António Costa a ladainha de que não haverá perda do poder de compra, pois só estará a fazer aquilo que já vem sendo o seu maior hábito: mentir.