Fascistas, seus protectores e sua prole
Mesmo em cima da data em que se celebra os 50 anos do 25 de Abril apareceram – de rajada – uns figurões a falar no cinquentenário do 25 de Novembro (que só acontece daqui a cerca de um ano e meio).
Nos últimos dias vimos o governo PSD/CDS anunciar – muito euforicamente – que vai avançar com a organização de uma festarola de celebração do 25 de Novembro. Vimos também o líder do CDS, no congresso do passado Domingo, a bradar hossanas ao famigerado 25 de Novembro. Nesse mesmo dia, um dos principais responsáveis pelo 25 de Novembro – general Ramalho Eanes – aparece no Jornal da Noite da SIC, para se pavonear pelos seus feitos, junto desse grande, enorme lutador pela liberdade e democracia que foi e é Marques Mendes. Estava no sítio certo e na companhia ideal.
É realmente preciso ter muita lata para vir, em massa e de forma orquestrada, falar do 25 de Novembro mesmo em cima da celebração dos 50 anos do 25 de Abril. E esta gentalha tem-na toda. E tem-na precisamente devido ao 25 de Novembro, que lhes permitiu vestir a pele de cordeiros democratas e continuar nos lugares de poder, até hoje.
O 25 de Novembro foi exactamente isso. Foi o momento a partir do qual todos aqueles que viviam protegidos debaixo da aba do regime fascista, que nele participaram de forma activa e que dele receberam inúmeras benesses passaram – num passe de mágica – a ser os maiores democratas (veja-se que até fundaram partidos) e a continuar com as suas ricas vidinhas, como se para trás não estivesse um longo e tortuoso percurso de compadrio e comunhão com a ditadura e o regime fascista.
O 25 de Novembro matou o 25 de Abril e quase todos os seus desígnios. E, por essa razão, vemos os saudosistas do tempo da ditadura a falar de Novembro, em pleno Abril. O 25 de Novembro impediu que a justiça fosse feita, impediu que aqueles que muito mal fizeram ao país, que muitos crimes cometeram e que muitas vidas destruíram passassem incólumes pelos pingos da chuva, que supostamente caiu com a intenção de limpar a porcaria que infestava as ruas. Infelizmente quedou-se pela intenção.
Recordemos que alguns daqueles que tanto fizeram pela liberdade chegaram mesmo a ser condenados e presos, isto já em suposta democracia, portanto, depois do 25 de Abril, mas aqueles – os fascistas - que tantos e escabrosos crimes cometeram durante quase 50 anos, esses foram abençoados com a mágica metamorfose de democratização conferida pelo 25 de Novembro.
O 25 de Novembro foi isso – um majestoso indulto colectivo atribuído aos fascistas que subjugaram o povo português durante quase 50 anos e que ainda serviu para os perpetuar no poder por, pelo menos, mais 50 anos. Veremos até quando.
É só olhar e ver. Em 50 anos de “democracia” tivemos um Cavaco “pidesco” mais de 20 anos no poder, temos um Presidente da República “afilhado” do outro Marcello e temos um ministro e líder de um dos partidos do governo (Melo, como o cónego fascista) a transbordar de saudades pela outra senhora. E os exemplos são inúmeros, desde os passarões da vida política aos passarões que dominavam e continuaram a dominar o sector privado, antes, dependentes do poder político e com a actividade económica fomentada por ele, e, no pós-25 de Abril, com controlo absoluto sobre o poder político. O que aconteceu a Ricardo Espírito Santo, a António Champalimaud, a Manuel Fino, a Manuel Queiroz Pereira, à família Mello, a Alfredo da Silva, ou aos grupos empresariais como o grupo CUF, o grupo Champalimaud, o grupo Espírito Santo, o Banco Português do Atlântico, o Banco Borges & Irmão, o Banco Fonsecas & Burnay ou o Banco Nacional Ultramarino? O que aconteceu a toda essa gente que muito prosperou com o sistema ditatorial?
Claro, convém ainda recordar as inúmeras privatizações, ou seja, delapidação do património público e entrega de vacas leiteiras numa bandeja ao bando amigo da malta democrata e moderada.
E ainda temos que levar com os santinhos do pau oco, como é o caso do general Ramalho Eanes, que também não perdeu a oportunidade de aparecer perante os holofotes mediáticos, para exultar com o 25 de Novembro. Diz ele, “a data fundadora da democracia é o 25 de Abril”, para logo acrescentar, apenas e só, aquilo que tanto queria dizer, ou seja, que faz todo o sentido celebrar o 25 de Novembro. Disse-o com a mesma desfaçatez com que apelou, em 2020, para que os mais idosos prescindissem de um ventilador, em benefício de pessoas mais novas, garantindo que ele próprio o faria. Mas, sabendo de antemão, que essa situação, no caso dele, nunca se colocaria. Porque foi também para isso que serviu o 25 de Novembro – para continuar a garantir que existem portugueses de primeira, de segunda e de terceira categoria.
As perguntas que se impunham fazer ao senhor general, aquelas que nunca ninguém faz e que nunca ninguém se atreve a abordar são as seguintes:
As duas primeiras seriam: Onde é que o senhor estava no 25 de Abril? E o que fez pelo 25 de Abril?
E depois, o pós-25 de Abril; o que aconteceu aos milhares de fascistas que serviam o poder até ao dia 24 de Abril de 1974? Quantos foram julgados? Quantos foram condenados? Quantos responderam pelos escabrosos crimes cometidos contra um povo indefeso, ao longo de quase cinco décadas? Quantos responderam pela perseguição, detenção, tortura, prisão e morte de milhares de portugueses que tiveram a ousadia de enfrentar os ditadores? O que aconteceu a toda essa gente que servia o regime?
Bem, todos sabemos que Marcello Caetano foi para o Brasil gozar uma bela aposentadoria em Copacabana. E os outros?
A resposta a todas estas perguntas está no 25 de Novembro, que muitos já celebram, mas que pretendem celebrar ainda mais. Até mesmo mais do que o 25 de Abril. E como eles têm razões para celebrar o 25 de Novembro.