Marcelo em campanha pelo bloco central ou a dar uma de Cavaco?
Não é muito comum ver um Presidente da República a tentar condicionar a decisão dos deputados da Assembleia da República e do próprio Governo. Mas foi o que Marcelo Rebelo de Sousa fez, quando afirmou que vetará a nova Lei de Bases da Saúde, caso não haja apoio da Direita, nomeadamente do PSD.
O Presidente da República considera que, caso a nova Lei de Bases da Saúde tenha apenas o apoio da Esquerda, tratar-se-á de uma situação de “triunfo conjuntural”, sendo que Marcelo defende “uma lei de regime”, pelo que vetará.
Ora, nem sei bem por onde começar, só de ouvir a expressão “lei de regime” causou-me arrepios. Vejamos, Marcelo considera um “triunfo conjuntural”, caso a nova lei colha apenas o apoio da Esquerda. Mas, afinal, o que é que significa isso de “conjuntural”? Os governos não são, todos, fruto de situações conjunturais? Eu julgava que sim. A própria condição de Marcelo, enquanto actual Presidente da República, também não é algo conjuntural? Eu achava que sim. Sempre considerei que um ciclo político (maior ou menor) é sempre circunstancial, portanto o argumento do Presidente não faz sentido.
Ao proferir tais afirmações, Marcelo acabou por entregar mais poder negocial ao PSD e CDS na discussão desta nova lei. Ou, pelo menos, foi o que ficou implícito.
Ao anunciar um veto (antecipado) de uma lei, sobre a qual ainda não conhece o diploma final, mesmo que esta venha a ser a melhor lei do mundo é, no mínimo, uma tremenda irresponsabilidade do Presidente da República. Para Marcelo é mais importante que a nova lei tenha o apoio da Direita (PSD e/ou CDS), mesmo que seja uma péssima lei, do que colher o apoio do PS, CDU e BE e ser uma excelente lei.
Marcelo enche a boca com “conjuntura” e “regime”, mas parece esquecer-se que o SNS foi criado sem o apoio de PSD e do CDS e que a Lei de Bases da Saúde de 1990 também não colheu o apoio dos partidos de Esquerda. E, no entanto, a maioria dos políticos, entre os quais se inclui Marcelo, acredita que o SNS foi uma das maiores, senão mesmo a maior conquista da democracia portuguesa.
O mais estapafúrdio neste condicionalismo de Marcelo é que pouco importa o seu já anunciado veto presidencial, já que o diploma regressará à AR, onde deverá ser aprovado definitivamente, quer Marcelo goste ou não.
Portanto, Marcelo vetar um diploma só porque o PSD não o apoia já é algo bastante mau. Fazê-lo por antecipação, desconhecendo o conteúdo da lei, é um autêntico desatino. Até parece coisa do anterior inquilino do palácio.