Medidas assassinas que passam incólumes
Longe vão os tempos em que os médicos diziam que uma avaliação clínica só poderia ser considerada suficientemente correcta se fosse efectuada pessoalmente. Os médicos sempre disseram que, por vezes, só o acto de observar a pessoa – de simplesmente olhar para ela – já dava para perceber a gravidade de uma dada situação. Chamavam-lhe “ter olho clínico”.
Agora, querem-nos fazer acreditar que a melhor forma de cuidar da saúde de todos nós é ligar para a linha SNS24. Dizem até, que isso pode salvar vidas. É certo que se trata de uma medida com a cobertura de quem governa, mas que não escusa os médicos da responsabilidade de cumprir com um procedimento essencial, inerente à prática da actividade médica.
São vários os hospitais (por exemplo, o Hospital de São João ou o Hospital de Braga) que já implementaram a obrigatoriedade de ligar para a Linha de Saúde 24, antes de se deslocar às Urgências. Alegam que é o melhor a fazer, para evitar grandes concentrações de pessoas nos serviços de urgência.
É sabido que existem várias pessoas que se deslocam aos serviços de urgência, sem que haja necessidade. Por outro lado, existem muitas pessoas que necessitam diariamente de um atendimento de emergência. E é aqui que esta medida se torna perversa e assassina.
Todos os dias existem pessoas que necessitam de ser avaliadas com a máxima urgência. Também essas pessoas terão que ligar para a linha SNS24 e, muito provavelmente, ter que aguardar horas para que lhe atendam o telefone, correndo o risco de ver o seu estado de saúde agravar-se, ou até mesmo ter um desfecho fatal.
Com o início do Inverno, aumenta exponencialmente o número de pessoas que necessita de aconselhamento médico, pelo que é expectável que a linha SNS24 esteja sempre “entupida”. O que vai acontecer é que todas as pessoas que estejam mesmo mal, acabarão por desesperar com a espera e, muito provavelmente irão deslocar-se a um serviço privado – o grande objectivo deste governo repugnante.
Dizem eles – os governantes e administrações hospitalares – que vão monitorar a implementação da medida e avaliar se será para manter. É óbvio que os resultados serão “excelentes”, porque o padrão da avaliação não será o de saber se as pessoas são mais bem atendidas e com maior rapidez, mas sim o de apenas saber se haverá ou não um alívio no serviço de urgências. Com certeza que haverá um alívio na afluência aos serviços de urgência, não é preciso ter uma bola de cristal para adivinhar tal facto, já que esta malvada medida vai desviar as pessoas dos serviços de urgência, as que não necessitam deles, mas também as que muito necessitam. E, no final, vão dizer que se trata de uma medida positiva, porque nunca se saberá ao certo quantas pessoas vão realmente ficar sem o devido atendimento, ou até mesmo aquelas que poderão perder a vida à custa desta medida assassina.
Portanto, o objectivo-mor é o de depauperar o serviço público de saúde e obrigar as pessoas a deslocarem-se para os privados, ou então morrerem. Porque os governantes estão-se a marimbar para elas.
Resta ainda salientar o facto de a oposição – sobretudo o Partido Socialista, mas também o resto da direita – ter vindo reclamar desta medida, mas só quando se falou da sua implementação nos serviços de urgência de ginecologia e obstetrícia. Portanto, a medida já estava em vigor nos serviços de urgência de vários hospitais – para todos os doentes – e a oposição pouco ou nada estrebuchou. Só se indignaram quando o alvo das medidas foram as grávidas. Isso também diz muito acerca das soluções e do interesse que a oposição (PS e direita) tem para oferecer ao país.
Uma parte considerável do problema deste país não é o de que as pessoas erradas continuem a ser eleitas, é que as eleições não mudam nada e os eleitores não têm nenhuma palavra a dizer, em nada, nem mesmo no que à sua saúde diz respeito – o direito mais básico e essencial. O poder está dominado por uma estrutura assassina, totalmente desinteressada em dar resposta à vontade do eleitorado, em servir os interesses dos cidadãos e de cumprir com a Constituição.
A outra parte do problema prende-se com o facto de demasiadas pessoas - propagandeadas com muito sucesso - acreditarem que o status quo, vulgo “bloco central” (PS + PSD/CDS), realmente funciona e que os seus sucessivos governos são o melhor para o país. E, por essa razão, praticamente ninguém reclama desta medida, uma das mais criminosas que eu me lembro de ver implementada, sem que haja um laivo de revolta popular. São mesmo demasiadas as pessoas que foram manipuladas com sucesso, ao ponto de terem desistido completamente da política e de concentrarem a sua atenção noutras coisas. E são tantas as distracções, não são?