Nuclear bom, nuclear mau
Após o recente discurso à nação efectuado por Vladimir Putin choveram as habituais e ferozes críticas dos políticos da União Europeia, do Reino Unido e dos EUA, que acusaram e desataram a bater no Presidente da Rússia, por este ter deixado no ar a ameaça de recorrer ao uso de armamento nuclear na Ucrânia.
Vejamos, em nenhum momento do seu discurso, Putin disse que usaria armas nucleares, mas assumamos que isso ficou implícito quando referiu que, se necessário, “usaremos tudo o que temos à disposição”. Partindo dessa assunção é aceitável que qualquer pessoa se possa sentir ameaçada, preocupada e indignada, ao ouvir um líder mundial falar dessa forma. E, consequentemente, que se manifestem de acordo com o que sentem.
Mas o mais curioso de tudo isto é constatar a especial selectividade que muita gente tem para muito se indignar com algo que é dito por uma pessoa. Já quando a mesma coisa é dita – com todas as letras e sem qualquer reserva – por outra pessoa, não só não se verifica qualquer laivo de indignação ou preocupação, como ainda a ovacionam, como se de uma heroína se tratasse. Infelizmente é assim que funciona no chamado mundo ocidental.
Há menos de um mês, numa entrevista ao Daily Mail online, o “jornalista” de serviço (um perfeito modelo da sua classe) perguntou a Liz Truss, sobre a eventualidade de esta se confrontar com a decisão de recorrer ao uso de armas nucleares: “Will you press the button?”. Desprovida de qualquer emoção no rosto e com toda a frieza do mundo, Liz Truss respondeu muito prontamente: “Acho que é um dever importante do Primeiro-ministro e estou pronta para o fazer”. E os presentes na sala aplaudiram vigorosamente a apoteótica “aniquilação do planeta”.
As afirmações da senhora Truss não abriram noticiários, não fizeram capas de jornais, não escandalizaram os políticos humanistas do Ocidente, não causaram indignação nas redes sociais, e os carneirinhos mantiveram-se mudos e quedos no pasto, pois dessa vez ninguém os mandou balir.