O "efeito Trump" na máquina de propaganda
Os comentadores que têm via aberta nos canais de televisão são uma das coisas mais repugnantes do espaço televisivo. Há um ou outro que ainda vai tentando ser coerente e honesto nas opiniões que emitem, mas muito raro. E é raro porque as televisões não dão espaço a contraditórios, ou seja, quem se mostrar desalinhado com a narrativa imposta, vai de requitó pela borda fora.
Eu já havia previsto que a esmagadora maioria dos comentadores apaniguados iriam começar a tentar virar o bico ao prego, assim que Trump vencesse as eleições. Meu dito, meu feito. Eles não perderam tempo, e ainda antes de Trump tomar posse, já estão a inverter narrativas que até agora defendiam até à morte.
No último programa cujo nome eles estão legalmente impedidos de dizer, Ricardo Araújo Pereira disse que “o Partido Democrata abandonou a classe trabalhadora”. E também criticou o Partido Democrata por ter insistido que Joe Biden estava em condições para o desempenho do cargo e para se recandidatar. Disse-o agora, porque durante os últimos quatro anos, não só nunca abordou o assunto, como ainda contrariou as alegações de que Joe Biden não tinha condições físicas e mentais para o exercício do cargo. Fez ainda pior, quando insinuou que Trump é que padecia de dificuldades mentais. E - pasmem-se - conseguiu passar quatro longos anos sem se atrever a fazer uma – apenas uma – caricatura, uma piada sobre as inúmeras e ridículas gafes que Joe Biden nos presenteou. E ainda se declara como humorista.
Mas, estejam atentos, porque agora não faltarão tentativas de caricaturar Trump, sobre tudo e mais não sei o quê.
O Pedro Mexia disse que o Partido Democrata tinha pessoas muito melhores do que Kamala Harris, para avançar em substituição de Biden. Mas também nunca o disse antes de se saber o resultado das eleições, muito pelo contrário, Mexia fartou-se de elogiar Kamala Harris e de a considerar competente e adequada ao cargo, coisa que ela nunca foi.
Já o João Miguel Tavares disse que Kamala não tinha convicções sobre nada, excepto sobre o aborto. E ainda acrescentou que ela nem sequer deveria ter sido escolhida para vice-presidente, e que só o foi por causa de ser mulher e da cor da pele. Disse que se Biden fosse a eleições ainda perdia por mais do que a Kamala perdeu. Que Biden era um presidente profundamente impopular. Mas nos últimos quatro anos, o Tavares fartou-se de elogiar Biden e Kamala. Quando, Kamala tomou posse como vice-presidente, o Tavares não só não achou que era uma má escolha, como bajulou a senhora Harris até dizer chega. Mas, agora, mudou de ideias.
O Tavares também disse que Trump não é um falcão (falcão de guerra), que é não intervencionista, isolacionista e que isso é um problema. E acrescentou – alto! Prestem muita atenção - “A guerra da Ucrânia, eu acho que ela está perdida para o lado ucraniano e que isso não tem nada a ver com Trump, mas sim com o poderio russo e a própria impotência da Europa.”.
Até dá vontade de rir. Então, não sabíamos disso desde o início, ou até mesmo antes da invasão em Fevereiro de 2022? É claro que sabíamos, mas não foi isso que o João Miguel Tavares andou – como andaram todos - a dizer durante quase três anos, pois não?
E ainda vociferou – como se tivesse acabado de receber a sua carta de alforria – que “o mais importante, no meio disto tudo, é nós europeus começarmos a abrir a pestana e em vez de nos remetermos à nossa condição de eternos dependentes da América.”. Hahaha. Um dos maiores bajuladores do poder em Washington, um fervoroso defensor da relação sadomasoquista que a União Europeia tem com os EUA, vem agora choramingar e dizer que é tempo de abrir a pestana. Tem razão, sim senhor. Já chega de abrir as nalgas.
Portanto, estas metamorfoses só acontecem porque Trump venceu as eleições. Se Kamala tivesse vencido, os comentadores carneiros mansos continuariam a alinhar a 100% com a narrativa de Washington, todos prostradinhos, de quatro, como eles sempre gostaram de tomar a cartilha.