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Contrário

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RAPIDINHA

O ministro Pizarro, o comentador bizarro e a panelinha

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Antes de abordar as manobras de diversão que envolvem o novo ministro da saúde, Manuel Pizarro, quero relembrar o caso que envolve a ministra da coesão territorial, Ana Abrunhosa. Como já toda a gente deve ter ouvido falar, o marido de Ana Abrunhosa recebeu fundos comunitários num valor de cerca de 200 mil euros, fundos cuja atribuição é da responsabilidade do ministério que Ana Abrunhosa tutela.

Em sua defesa, a ministra alegou que não teve qualquer intervenção na atribuição desse apoio público aos negócios do seu marido. O próprio Primeiro-ministro veio em defesa da sua ministra e amiga, reiterando que se trata de um não assunto e que mantém total confiança em Ana Abrunhosa. Pois claro.

Vejamos, segundo foi noticiado, o marido da ministra constituiu a empresa que recebeu os fundos poucos dias antes de terminar o prazo de atribuição dos fundos. Ora, qualquer pessoa é levada a pensar que, à hora da janta, Ana Abrunhosa deve ter dito algo do género: “Olha môri, não queres sacar uns fundos que tenho lá no ministério e que ninguém parece estar interessado? É só constituíres uma empresa à pressa e não te preocupes com o resto, que eu trato disso”. Esta suposição encaixa na perfeição e no modus operandi desta gente que passeia nos corredores do poder, portanto é tão válida quanto qualquer outra.

E se tivermos em conta que, já no tempo em que Ana Abrunhosa era presidente da CCDRC, o seu marido beneficiou de outros fundos públicos, a coisa faz ainda mais sentido. Ou então não. São apenas teorias da conspiração de gente invejosa. Acrescente-se ainda o facto de que o marido de Ana Abrunhosa se associou – desta última vez - a um indivíduo anteriormente condenado por corrupção para sacar mais umas centenas de milhares de euros em fundos públicos.

Os comentadores de serviço já saíram também em defesa da senhora ministra, alegando que não há nada de ilegal no procedimento levado a cabo pelo seu marido, nem pela actuação da própria ministra. De facto, não há nada de ilegal, porque aqueles que fazem as leis são os mesmos que vão beneficiar delas. O que esses pulhas não são capazes de admitir é que, apesar de ser legal é profundamente imoral e que determinadas leis têm que ser revistas.

Agora o senhor Manuel Pizarro. Primeiro foi a polémica relacionada com o facto de a sua mulher ser a bastonária da Ordem dos Nutricionistas. O que fez Pizarro para acabar com a polémica? Anunciou que todos os assuntos que o Ministério da Saúde tenha que tratar com a referida Ordem serão da responsabilidade da Secretaria de Estado da Saúde e, desta forma, parece que encerrou a polémica. Se alguém contar esta anedota às crianças da escola primária, eles vão-se rir até cair para o lado, mas aquilo que eles não sabem é que é mesmo verdade. Coitadinhos, tão inocentes que são. É preciso explicar aos meninos que quando um assunto passa para a secretaria de estado de um dado ministério, esse assunto deixa de estar sob a alçada do ministro que tutela esse mesmo ministério. Alguma vez uma secretaria de estado dependeu do seu ministro? Só mesmo os invejosos para levantar tais teorias da conspiração.

Mas a polémica com o ministro Pizarro não se ficou por aqui – e ele ainda agora começou. Manuel Pizarro viu-se envolvido numa segunda polémica, a que envolve a sua participação numa empresa que também “tem relações” com o ministério que ele tutela. O que fez Pizarro? Anunciou que se vai desvincular dessa empresa, onde exercia o cargo de gerente. O problema de Pizarro – e de toda a malta que assola o poder - é que ele só se apressou a tomar as devidas resoluções depois de os “casos” se tornarem públicos.

E, como já vem sendo hábito, os comentadores de serviço saíram à praça para defender o senhor ministro. Houve até um – Pedro Marques Lopes: um proeminente defensor da classe governante – que aproveitou a polémica que envolve Manuel Pizarro para cair em cima do deputado Pedro Filipe Soares e do Bloco de Esquerda, vejam bem. Marques Lopes disse que Pedro Filipe Soares ou é ignorante, por não entender o processo de dissolução de uma empresa, ou então revela uma “extraordinária e terrível má-fé”. Que chatice! Parece que deixar de ser sócio-gerente de uma empresa é um processo complicadíssimo. O senhor Pedro Marques Lopes certamente até já enviou uma sugestão ao governo para que este estenda o Simplex à dissolução de empresas, para facilitar a vida às pessoas. Reparem que esse problema não se verifica na constituição de empresas. É só na dissolução. Vejam bem a sorte que teve o marido da ministra Ana Abrunhosa. Se constituir uma empresa fosse tão difícil como deixar de ser sócio-gerente, bye bye fundos públicos.

Pedro Marques Lopes entende que se isto são razões para se criticar um ministro, não tarda nada e o governo só será composto por pessoas que, ou são professores universitários ou “aparelhistas”. Bem, eu não sei o que é que o senhor comentador Pedro Marques Lopes tem contra os professores universitários, mas se os considera menos competentes do que a maioria dos membros que compõem este governo (e todos os outros), então eu gostava que ele se pronunciasse sobre a qualidade do ensino superior em Portugal. E que raio é que as dezenas de milhares de estudantes que todos os anos entram nas faculdades vão aprender com aqueles impreparados que andam por lá a leccionar.

E agora os “aparelhistas”. Para defender o ministro Manuel Pizarro, Pedro Marques Lopes sustenta que prefere um ministro envolto nestas polémicas, do que ter ministros “aparelhistas” – do aparelho partidário, portanto. Ora, Marques Lopes parece não fazer a mínima ideia de quem é Manuel Pizarro, pois se há “aparelhistas” no Partido Socialista, Manuel Pizarro é indubitavelmente um deles.

No mesmo programa, também Daniel Oliveira e Clara Ferreira Alves partilharam desta ideia estapafúrdia de que estes casos não passam de pequenas questiúnculas, sustentando que o principal problema em Portugal é a grande corrupção e não estes “pequenos” casos. Estão redondamente enganados. Aquilo que não percebem – ou fazem de conta – é que toda a corrupção, especialmente a grande corrupção está alicerçada nestas pessoas que ocupam os gabinetes ministeriais. Portanto, quando uma pessoa que chega a ministro e, não só é um “aparelhista”, como já entra cheio de rabos-de-palha é caso para, no mínimo, ficar de pé atrás. A não ser que também se faça parte dessa panelinha que sustenta tanta gente neste país, desde a política à comunicação social, sempre disposta a “normalizar” os defeitos dos governantes que, na boca deles – os comentadores de serviço -, chegam a ser uns heróis por querem abraçar tão árdua tarefa e estarem sujeitos a serem injuriados e vilipendiados.

Esperemos pela próxima polémica a envolver governantes. Uma coisa é garantida - os comentadores que prestam serviço ao poder estarão lá, na hora e nos locais habituais, para os defender até à morte.