Pandemia no país, pandemónio na política
Como se não bastasse a pandemia que assola o país e o mundo, agora temos um pandemónio no panorama político nacional.
A balbúrdia instalou-se depois de o Primeiro-Ministro ter faltado ao compromisso de apenas autorizar nova injecção de capital no Novo Banco após serem conhecidos os resultados da auditoria ainda em curso. António Costa garantiu, na Assembleia da República que tal não aconteceria, mas aconteceu. Aliás, já havia acontecido quando o Primeiro-Ministro negou tal facto perante os deputados e o país.
Mas, será que houve mesmo uma falha de compromisso por parte de António Costa? Acho que já todos sabemos que há uma hierarquia de compromissos por parte de quem governa, agora e no passado, sendo que em primeiro lugar estão sempre os bancos. Por este prisma pode-se dizer que não houve falha de compromisso.
Passará pela cabeça de alguém, que António Costa não sabia mesmo que a transferência de 850 milhões de euros para o Novo Banco já havia sido autorizada e realizada pelo Ministro das Finanças? Alguém acredita que o Ministro das Finanças, apesar de todo o capital de confiança amealhado nos últimos anos, tomaria uma decisão desta natureza sem que desse conta disso ao chefe do Governo? Aliás, esta nova injecção de capital decorre de obrigações contratuais e, tal como referiu Mário Centeno, independentemente dos resultados da auditoria em curso, teria que ser sempre efectuada. O problema reside no facto de António Costa ter garantido que tal não iria acontecer, sem que antes se soubesse a situação real do banco.
A mim, parece-me que tudo isto não passa de uma encenação por parte de António Costa e o próprio Mário Centeno, à qual se juntou Marcelo Rebelo de Sousa, tendo em vista criar um motivo válido para a saída do actual Ministro das Finanças. Podem dizer que Centeno poderia deixar o Governo sem ter que se encenar uma situação desta natureza, mas a verdade é que ninguém previa, há alguns meses atrás, que uma nova crise se abatesse sobre a economia e colocasse o país com as contas numa situação delicada novamente. Ora, sendo Mário Centeno o “Ronaldo das Finanças”, não lhe ficaria nada bem sair só por sair. Assim já tem um motivo válido.
A verdade é que tudo isto é muitíssimo grave. É duplamente grave a atitude do Primeiro- Ministro, porque se não sabia da transferência tinha que demitir o Ministro das Finanças na hora. Se sabia, e eu acho que sabia, está a gozar com os portugueses e com o seu dinheiro e, nesse caso, quem se devia demitir na hora era ele próprio.
E, em pleno pandemónio político, o Primeiro-Ministro, que também é líder do Partido Socialista, aproveita para lançar a recandidatura de Marcelo Rebelo de Sousa à Presidência da República, deixando claro que não haverá espaço para candidatos “socialistas”. Repto que, com maior ou menor inibição, Marcelo recebeu com especial regozijo. Vejam lá que até nem perdeu tempo em pôr-se ao lado de António Costa (que por estes dias anda com a imagem em alta), alinhando num puxão de orelhas público a Mário Centeno.
Portanto, um Presidente da República que não consegue despir a fatiota de comentador (função que o elegeu, isso explica tudo) e que se intromete nas decisões governamentais, pensando apenas na sua reeleição. E um Primeiro-Ministro que pretende capitalizar e perpetuar o seu estado de graça até ao final da legislatura, pelo menos.
Aquilo que está a acontecer no panorama político português é, de facto, vergonhoso. Recuperando uma expressão usada por Miguel Sousa Tavares: pura traficância política.