Rangel: bezana privada na via pública
Tem andado a circular um vídeo nas redes que mostra o eurodeputado Paulo Rangel a cambalear de bêbado pelas ruas de Bruxelas.
Desde logo, importa salientar que ninguém tem o direito de filmar e publicar um vídeo sem a devida autorização das pessoas visadas. Por conseguinte, também seria condenável se o referido vídeo evidenciasse o eurodeputado Paulo Rangel tranquilamente sentado num banco de jardim a comer uma maçã. Isto é um ponto que não oferece qualquer dúvida. Contudo, há o outro lado da moeda, que é o facto de um representante do povo português no Parlamento Europeu andar a cambalear pelas ruas de Bruxelas com uma valente carraspana.
Os titulares de cargos políticos e públicos têm responsabilidades éticas e comportamentais acrescidas face ao cidadão comum, obviamente. Achar que o comportamento do eurodeputado Paulo Rangel é normal, aceitável e que faz parte da esfera privada não faz sentido, desde logo porque aconteceu na via pública. Se Rangel estivesse em sua casa ou noutro ambiente privado qualquer seria uma coisa, agora, encontrando-se completamente embriagado na via pública é outra coisa bem diferente. Não que eu considere que seja motivo para o eurodeputado colocar o seu lugar à disposição, se eu quisesse ir por aí teria à minha disposição pipas de razões bem mais sóbrias. Mas que se trata de um comportamento inapropriado e vexatório, lá isso é verdade.
A propósito deste tema, lembro-me de há uns tempos, os dirigentes do PSD terem vindo a público defender um dos seus Presidentes de Câmara, quando este foi acusado de ter um comportamento inapropriado para com outras pessoas na rede social Facebook. Na altura, a direcção do PSD argumentou que as atitudes reprováveis do autarca foram cometidas na página pessoal do próprio no Facebook e não na página institucional, pelo que não havia nada de errado no comportamento do autarca. Que bonito.
Voltando ao pifo do Rangel, foi muito engraçado verificar que na justificação apresentada pelo próprio, ele informa que o acontecimento deu-se “há vários anos”, como se aquilo que aconteceu há vários anos não tivesse realmente acontecido (se fosse ontem já seria reprovável?). Ou como se “há vários anos” Rangel não fosse eurodeputado. Na mesma parca comunicação, o eurodeputado Rangel alega que se trata de um assunto da “vida privada”. Lamento, mas estar completamente embriagado na via pública não configura um comportamento exclusivo da sua vida privada.
Há ainda um pormenor delicioso nessa mensagem de Paulo Rangel, que é a referência a Sérgio Godinho. É sempre muito divertido ver um indivíduo de Direita – e logo Rangel, cujo passatempo favorito é desprezar as gentes de Esquerda - socorrer-se das palavras de uma personalidade de Esquerda, quando a bota lhe aperta.
Mas o mais impressionante no meio desta mixórdia foi constatar a enorme quantidade de figuras públicas que vieram em defesa de Paulo Rangel. É uma espécie de solidariedade bacoca (bacoca de Baco). Se fosse apenas para condenar a captação e divulgação não autorizada das imagens estaria tudo certo, mas o que essas pessoas fizeram foi muito mais do que isso. Essas pessoas defenderam que não há nada de criticável no comportamento do eurodeputado e que aqueles que o fazem são falsos moralistas ou puritanos. Na verdade, as pessoas que defendem que um eurodeputado possa andar a cair de bêbado na rua e que ninguém tem nada a ver com isso é que são falsas. São os “falsos moderados”, que aproveitam o episódio para se solidarizar publicamente e, assim, granjear capital de moderação – estratégia muito em voga -, para depois poderem bater com toda a autoridade moral em quem lhes aprouver. Por sinal, Paulo Rangel é um dos que faz isso com bastante frequência. Portanto, temos a brigada dos moderados a defender os excessos. Ele há coisas!
Eu gostaria de ver o que diriam estes falsos moderados caso a pessoa em causa fosse o ministro Cabrita. Malhavam-lhe até à exaustão.
Já agora, e se fosse Marcelo Rebelo de Sousa ou António Costa a cambalear de bêbados pelas ruas de Lisboa, depois de um jantar bem regado, também estaria tudo bem e ninguém tinha nada a ver com isso? Parece-me evidente que determinados cargos políticos exigem um determinado padrão comportamental, sobretudo quando em público e mesmo estando fora do horário de serviço. Quem não quiser estar sujeito a esses condicionalismos tem bom remédio.
Antes de terminar, gostaria ainda de salientar o facto de muitos daqueles que agora apoiam Rangel terem desafiado a atirar a primeira pedra, quem nunca passou por uma situação semelhante. Bem, sabemos que o consumo de álcool em Portugal se mede em pipas por metro quadrado e, ainda ontem, no Parlamento, o Primeiro-ministro disse: “vamos lá encher o copo, isso é que interessa aos portugueses”, mas – até me sinto embaraçado - a verdade é que eu nunca andei a cambalear de bêbado na rua. E a esmagadora maioria das pessoas que conheço também não. Bom, nenhum de nós é político ou figura pública. Talvez seja essa a explicação.
Mas foi bonito, sim senhor. Foi bonito ver a solidariedade demonstrada por toda a classe. Ah… e também por alguns políticos.