Sinto-me um visionário
Por que razão eu me sinto um visionário, sempre que rebenta um escândalo de corrupção em Portugal? Esta é a pergunta que me assalta de forma recorrente.
Sempre que um esquema de corrupção é posto a nu e, de repente, toda a gente fala sobre o assunto, eu apenas consigo sentir que essa verdade já andava por aí, completamente despedida, à frente dos olhos de toda a gente.
O último caso a saltar para a ribalta é o de Isabel dos Santos. De um momento para o outro ficaram todos chocados com aquilo que tem sido exposto sobre as negociatas dessa senhora, como se as partes mais interessadas nessas negociatas não a conhecessem de ginjeira. Eu próprio já escrevi aqui sobre este escroque, pelo menos desde 2014. Devo ser um visionário, sobretudo quando comparado com as entidades reguladoras e empresários de topo deste país.
Primeiro, foram os senhores da PwC que vieram a terreiro tentar sacudir a lama do capote, de seguida, foi a vez da senhora Cláudia Azevedo (Sonae) vir a público prestar-se ao ridículo papelão de Madalena arrependida, passando, desde já, as eventuais culpas no cartório para uns administradores não-executivos, como se ela não os conhecesse, não tivesse participado na sua escolha e, acima de tudo, não privasse com eles recorrentemente sobre os investimentos mais importantes do grupo empresarial a que preside.
É de facto incrível como os maiores empresários deste país nunca sabem de nada. A culpa é sempre de um funcionário qualquer. É assim em todas as áreas. Se bem se lembram, no BES a culpa era do contabilista, já no Benfica a culpa era do Paulo Gonçalves, agora, no caso da Sonae, a culpa será de um qualquer elemento descartável, porque a culpa não pode morrer solteira e a senhora Cláudia Azevedo tem que manter a idoneidade acima de qualquer suspeita.
Portanto, o esquema é sempre o mesmo. E funciona. Não apenas para os administradores da Sonae, como para os da Galp, para os do grupo Amorim e todas as outras empresas com quem Isabel dos Santos fez e mantém rendosas negociatas.
E é por tudo isto que não aceito que os políticos me venham falar no combate à corrupção, quando os incompetentes e corruptos responsáveis pelas entidades reguladoras, bem como entidades bancárias e do mundo empresarial continuam no exercício das suas funções como se nada tivesse acontecido. Também não aceito, apesar de todos os defeitos, e são mesmo muitos, que Isabel dos Santos seja a única a pagar pelos actos de que é suspeita e acusada, pois só os cometeu com o alto patrocínio das mais reputadas entidades portuguesas.