Ursula von der Opazität a falar em "transparência"
Após a detenção da vice-presidente do Parlamento Europeu, Eva Kaili, e de uns quantos membros do Parlamento Europeu, não tardaram as reacções das instituições europeias, sobretudo da Comissão Europeia, pela voz da sua presidente, Ursula von der Leyen.
Antes de entrar nas declarações de Ursula von der Leyen importa realçar que, praticamente todos já trataram de manifestar uma tremenda surpresa com estas detenções e de deixar bem claro que nada têm a ver com o assunto, como se este tipo de actuação fraudulenta por parte dos políticos com poder de decisão não fosse o pão nosso de cada dia, há décadas. O partido da senhora Eva Kaili, os seus colegas de vice-presidência, a própria Presidente do Parlamento Europeu, vários eurodeputados, presidentes, primeiros-ministros e ministros dos vários estados-membros – todos os que estão em lugares de decisão – trataram logo de deixar bem claro que se trata de uma situação que merece o total repúdio, passando a ideia de que este tipo de actuação são episódios isolados e de que nunca nas suas vidinhas lhes passou pela cabeça que tal pudesse até acontecer. Crucifique-se, pois, aquele ou aquela que se deixou apanhar em flagrante delito, porque isto não é tarefa para amadores. E assim o gangue pode prosseguir com o “métier”, ilibado de qualquer suspeita.
Então no caso da dona Ursula, a hipocrisia atinge os píncaros da desfaçatez. A presidente da Comissão Europeia veio dizer que isto “é uma questão de confiança das pessoas nas ‘nossas’ instituições”. Notem bem na afirmação da dona Ursula, a confiança é das pessoas, mas as instituições são “nossas”, ou seja, deles – os que as conspurcam.
Disse também que é preciso que as instituições se rejam pelos “mais elevados padrões em termos de independência e integridade” e nesse sentido, acrescentou: “propus a criação de um órgão de ética independente que abranja todas as instituições europeias”. Portanto, a actuação de sempre. Cria-se um órgão de ética “independente” e a coisa fica resolvida. Na verdade, quando os próprios políticos dizem que para evitar a corrupção deve-se criar um órgão de ética independente, só estão a assumir, logo à partida, que eles – os políticos – não são gente de confiança. Ah! Segundo a dona Ursula, a confiança é para as pessoas, o povão. A eles, os políticos, cabe apenas parecer e convencer de que são merecedores dela.
Ursula von der Leyen falou ainda na criação de “regras firmes”, “iguais para todos” e que isso “é uma questão de transparência”. Transparência? Realmente, não há ninguém melhor do que a dona Ursula para falar de “transparência”.
Como referi, quando vejo políticos a querer criar comissões de ética “independentes” fico logo de pé atrás. Eu compreendo a razão pela qual Ursula von der Leyen adora comissões de ética “independentes”, afinal, ela passou a vida toda a ser investigada por fortes suspeitas – e não raras vezes, por evidências – de corrupção (isto para não falar na tremenda falta de competência) e, no entanto, o elevador social da dona Ursula nunca parou de subir. As comissões de ética sempre funcionaram como esponjas ensaboadas a esfregar o percurso e o currículo de gente como Ursula von der Leyen.
Já quase ninguém se lembra – talvez alguns “amigos” seus, em Berlim – que Ursula foi ministra da Defesa na Alemanha, onde exerceu uma péssima gestão das Forças Armadas alemãs (Bundeswehr), deixando-as completamente de rastos. A mesma Ursula que agora aparece todos os dias a dizer que é preciso dar mais meios e enviar mais armas para a Ucrânia.
Ursula foi alvo de uma investigação por suspeita de irregularidades relacionadas com empresas externas de consultadoria (Accenture e McKinsey). Mais um procedimento que está no manual de “boas” práticas de todos os “bons” políticos. Ursula fintou as regras da contratação pública, procedendo à realização de contratos no valor de muitos milhões de euros com algumas empresas privadas. Onde? Quando? E quantas vezes já ouvimos falar neste modus operandi?
Convém também recordar que Ursula von der Leyen plagiou a sua tese de doutoramento. Mas uma “isenta” e “independente” comissão de avaliação da ética entendeu que, por ter sido “apenas 20%” da tese, a dona Ursula, perdão, a Doutora Ursula pode continuar a ostentar o título académico.
Lembremo-nos e insistamos também na negociata encabeçada pela dona Ursula, aquando da compra das vacinas contra a Covid-19. Nunca é demais referir que os contratos realizados com a big pharma continuam no segredo dos deuses, apesar da insistência de alguns membros do Parlamento Europeu para os escrutinar. Também as mensagens privadas que Ursula trocou com o CEO da Pfizer continuam em segredo. A presidente da Comissão Europeia entende que essas conversas não dizem respeito a ninguém. Entenderá ela que pelo facto de estar num cargo de nomeação e não de eleição, não tem que responder perante os cidadãos europeus? Deve ser isso. Esta negociata está a ser alvo de uma investigação levada a cabo pela Procuradoria Europeia. Se a Procuradoria for tão isenta e independente como as comissões de ética que a dona Ursula tanto aprecia, já sabemos no que irá resultar a investigação.
Entretanto, imune e impune a tudo isto, a senhora dona Ursula vem com aquela impudência que tão bem a caracteriza falar-nos em “transparência”, enquanto se prepara para firmar mais uma mega negociata, desta vez através da compra conjunta de gás que, como bem sabemos sairá muitíssimo mais caro aos cidadãos europeus.